Quando o período chuvoso chega, os moradores da região metropolitana do Recife se preparam para os alagamentos, um problema recorrente. O trânsito, já difícil, se agrava, mas os impactos vão além disso. Moradores de áreas ribeirinhas, especialmente os que vivem em situação de vulnerabilidade social, são os mais afetados. A falta de planejamento urbano e de soluções para o escoamento da água contribui para danos econômicos e sociais.
Segundo Alencar de Sá, professor de Geografia do Colégio Motivo, é importante entender o contexto histórico da cidade. "Situada numa planície fluviomarinha, com apenas 4 metros acima do nível do mar, a capital Pernambucana registra problemas de enchentes e alagamentos desde os primórdios da fundação, com registros desses eventos no período holandês. O crescimento sem planejamento levou a cidade a aterrar seus manguezais, canalizar córregos e rios, impedindo o fluxo natural das águas. Somado a isso, um sistema de micro e macro drenagem antigo e sem manutenção é agravado com o descarte irregular de lixo, que entope canaletas e tubulações", explica.
O problema do alagamento é agravado pelo assoreamento dos rios, que ocorre quando sedimentos se acumulam no leito dos cursos d'água. Esse processo é intensificado pelo desmatamento das matas ciliares, que protegem as margens dos rios, e pelo lixo jogado nos canais fluviais, impedindo o escoamento das águas da chuva.
Alencar destaca ainda que a quantidade de chuva que a cidade do Recife recebeu entre a madrugada e a manhã do dia 05 de fevereiro de 2025 traria transtornos até mesmo em cidades bem planejadas do ponto de vista de drenagem e escoamento das águas. “Sistemas climáticos como a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e o Vórtice Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN) tem trazido, já entre janeiro e fevereiro de 2025. O acumulado nesses primeiros dois meses do ano já supera a média esperada, tendo como referência os últimos 20 anos. As mudanças climáticas têm promovido chuvas cada vez mais intensas em poucas horas, e essa realidade se repete com frequência na última década”, afirma.
Os alagamentos no Recife têm causas naturais e humanas, sendo as ações do homem as que mais intensificam o problema, especialmente em uma cidade construída sobre um ecossistema de manguezal.
Há soluções para os alagamentos no Recife?
Sim, segundo de Sá, a situação da cidade já melhorou bastante nas últimas décadas. “Hoje vivemos com alagamentos pontuais durante os dias de chuva, porém a cidade volta a normalidade em poucas horas. Durante o século XX, a capital vivia com o medo constante das enchentes do Capibaribe. Recebendo muita água durante o seu percurso até o Recife, e chegando na cidade com seu leito estreito e assoreado, o rio Capibaribe transbordava, danificava pontes e inundava o centro urbano por dias. Uma das maiores cheias foi a de 1975, em que, segundo jornais da época, a cidade ficou 3 dias inundada com 70% debaixo de água. Foi nesse ano que um boato do rompimento da barragem de Tapacurá levou pânico às pessoas, dias após a enchente. As cheias do Capibaribe foram controladas graças à construção de barragens de contenção de Tapacurá e Carpina”, acrescenta o professor.
Para o geógrafo, outras medidas estruturais e educativas podem ajudar a reduzir a frequência dos alagamentos ainda mais. "Segundo relatório das Nações Unidas, o Recife é a 16ª cidade do mundo mais vulnerável às mudanças climáticas, devido a sua baixa altimetria. Portanto, a solução para os problemas da cidade em relação aos alagamentos vão muito além da troca de tubulações: vamos precisar de obras estruturantes para o controle dos níveis de água dos canais, e obviamente de uma forte educação ambiental para evitar o descarte de lixo, a retirada das matas ciliares que favorecem o assoreamento e evitam o transbordamento dos cursos de água", conclui o professor.