quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

#SendoProsperidade Mariangela Borba


Olá você leitor da coluna #SendoProsperidade aqui no blog da Taís Paranhos. 

Como está o início de 2025? 

E que exemplo de prosperidade foi a vitória da Fernanda Torres no Globo de Ouro, hein? E é justamente ela e o filme "Ainda estou aqui " que vão pautar essa primeira coluna do ano. Mas não por acaso. Ao analisar todo o nosso status quo, vemos que o filme estreou, praticamente, junto com a vitória de Donald Trump, um político americano que incitou atos de violência às instituições, igual vivemos aqui, após a perda do ex-presidente Bolsonaro, que também os repetiu, em 8 de janeiro de 2023. 

E você pode perguntar: o que isso tem a ver com um filme de 1971? Muita coisa! Nessa época nosso país passava pela ditadura militar, censura imposta pelo governo, e bastava alguém não ir com a sua cara, ou achar que seus ideais eram contra o governo, pronto, simplesmente você sumia. E o filme vai de encontro a tudo isso: a ditadura, a violência, a não-liberdade de expressão, num momento em que muita gente relativiza o papel da ditadura e da democracia. Um filme brasileiro com essa temática ganhar as referências e os holofotes do mundo é, minimamente, emocionante, até porque não dá, como muitos sugerem, para relativizar tortura, execução de pessoas. 

Por isso não dá para comemorar o prêmio da Fernanda Torres, sem contextualizar não só a história do País, como a história da sétima arte de um período em que tentaram acabar com o cinema brasileiro, criminalizar leis de incentivo à cultura. Quem ganhou o troféu Globo de ouro não foi apenas Fernanda Torres, mas também a sua mãe, Fernanda Montenegro, a Eunice, a Elzita, o Rubens, a Sônia, a Marília, o Glauber, o Wladimir, Gregório, Edmundo, Bezerra, Zito, Nelson, Meirelles e tantos outros brasileiros… 

Quem está celebrando o prêmio da atriz, tem que compreender que o filme conta a história do ex-deputado federal Rubens Paiva e de sua família. Paiva saiu de sua casa obrigado a depor, e nunca mais voltou. Em uma trama inicial leve, familiar, e feliz, de frente para o mar da zona sul carioca, os fatos vão acontecendo... É de suma importância resgatar histórias de pessoas, que tiveram seus direitos violados, e até mortos, para hoje Fernanda Torres ganhar a segunda premiação mais importante de Hollywood, atrás apenas do Oscar. 

O filme não explica a história do golpe militar, apenas pincela sobre a violência, brutalidade que muitos passaram, de forma moderada. Há, até hoje, mais de duzentos mortos, que nunca puderam ser enterrados, não se sabe onde foram jogados. Inclusive, muitos dos quais praticaram barbáries contra essas pessoas jamais foram penalizados. Tá, mas o que nós temos a ver com isso? Muito! Justamente para jamais deixarmos que violências como essas, disfarçadas de proteção à pátria, sejam praticadas novamente! 

Não dá para relativizar barbaridades, tortura, execução de pessoas e comemorar a premiação da Fernanda Torres. É preciso coerência. Um prêmio não nos define, mas nos orgulha e apresenta o cinema brasileiro não só para o Brasil, mas para o mundo e para as mulheres latino-americanas, responsáveis por manter a integridade das famílias. 

Só abrindo um parêntesis aqui, por inúmeras vezes minha bisavó enterrou no quintal de casa, livros do meu bisavô, o também jornalista Edmundo Celso, desde o início da resistência - chegou, até, a queimar alguns. Isso me foi confidenciando por minha mãe, que já não está mais entre nós, mas também tinha o hábito de ler jornais, fazer recortes - ou decupar, no nosso jargão jornalístico. 

Sinto falta disso e o filme também me aflorou isso. Meu bisavô, por sua vez, não chegou a ser preso político, talvez por ter um irmão general, mas não foi poupado de ter a casa por inúmeras vezes invadida. E quem segurava a barra? A mulher, minha bisavó que, assim como a Eunice, personagem vivida por Fernanda Torres, abafava essa realidade das filhas. 

Também tive um tio, irmão do meu pai, preso, porque durante uma investida da polícia na rua, abraçou uma moça que não tinham ido com a cara dela, visando defendê-la, e também o levaram junto para o quartel. Sorte a dele ter o histórico de seminarista, foi solto logo. É por esse valor inegociável do direito de ir e vir, da liberdade de expressão e da democracia que ainda estamos aqui! Vida longa à cultura brasileira!

Mariângela Borba é professora, jornalista profissional, revisora credenciada, social media, Produtora Cultural, especialista em Cultura Pernambucana pela Fafire e membro da Associação de Imprensa de Pernambuco que teve como um dos fundadores, seu bisavô, o jornalista Edmundo Celso.

Foto: Sami Drasin/The Academy/Divulgação