As cicatrizes sociais
E o Provérbio Chinês
Paulo Roberto Cannizzaro
O Brasil contemporâneo, infelizmente, tornou-se uma nação de um povo omisso, passivo se preferir. Decididamente, é moléstia grave. Quase apostolicamente epidêmica. Conformamo-nos, aceitamos tudo de um Estado disfuncional, como se fosse sentenças de tédios contra a política e medos de agir coletivamente, e assim se esvai a força popular, poderosa se for organizada. Nesse momento histórico tão importante da vida nacional, parecemos, todos, pouco afeitos à reflexão sobre a história republicana recente.
É severo, é exagerado afirmar-se isso? Talvez!
Mas não há como não reconhecer soluções caricatas, remendos de ações públicas, além do agravamento dos nossos vazios culturais, literários, sociais, e principalmente políticos. Que até se reconheça, historicamente, já termos sido mais ativos politicamente, em outros capítulos decisivos.
O ciclo da redemocratização, por exemplo, emergido legitimamente das ruas, mesmo em ingenuidade universal e eterna, buscando a fantasia quimérica de uma vitória social, na busca de justiça e de paz utópica, foi esquecido das melhores inspirações da cidadania. Outrora, cuidou-se com maior vigília dos destinos da nação, uma candente força propositiva na direção de avanços do desenvolvimento e do bem-estar.
Nessa pálida fotografia atual é como estivéssemos desbotados, estáticos, na ilusão de passar um simples protetor solar na epiderme nacional, evitando enfrentar o calor dos múltiplos e evidentes problemas sociais, teme-se agora enfrentar a profundidade das causas das deformações de um Estado completamente deformado.
Vedam-se os olhos, pateticamente. Toleramos os variados tipos de desmandos. Aceitamos o faz de conta da "injusta justiça". Permitimos, ainda, que quadrilheiros tomem conta da coisa pública. Admitimos, como normal, a desvalorização da empresa nacional, da não reforma tributária adequada (Quem desses protagonistas são capazes de reescrever uma nova história republicana decente? Ou, onde está a outrora juventude politizada, bem informada e ativa da história?). Enfim, é sociedade demasiadamente tolerante, que tudo permite, que avaliza a dívida pública imoral, ou que a banca e fundos internacionais (assaltantes legais), dominando o império do capital especulativo, sejam nossos controladores sociais. Ao fim, permitimos democratizar, muito mais, a pobreza.
Enfim, nos desviamos da verdade substantiva, em enganos que dirigentes nacionais tomem conta da nação, mas pasmem: há ainda os que tremulam bandeirinhas vermelha ou verde amarela, acreditando que esse "bando" de gente merece a nossa confiança ao futuro. Pois bem. Encaixa-se bem nesse teatro de horrores um velho provérbio chinês sobre a visível afinidade de nossos últimos presidentes: "É inútil ir para cama cedo para economizar luz, se o resultado são gêmeos". Todos, os recentes políticos, são iguais. Não há diferença verdadeira entre eles, por isso são gêmeos. Acrescento, farinhas do mesmo saco.
Ademais, aplicando expressão freudiana, há um claro "mal-estar" nessa "civilização", da comunidade brasileira. Perdemos a memória das lutas históricas, sofremos de apatia, de submissão em nossa cidadania, o pensamento prospectivo e construtivo da nação está enfermo.
Dom Pedro II, o mais raro e honesto estadista, deve estar se remexendo na história, completamente indignado, nos lembra que nos ciclos da Monarquia éramos uma nação pródiga e desenvolvida. Não se conforma com essa orfandade social, e com essa patologia social e política confusa.
De toda forma, nos tornamos covardes, sem consciência de sermos. E a nação? Não merece esses governos. Muito menos esses políticos que aí estão, salvo raras exceções. A posteridade da nacionalidade devia orientar-se numa quadra de garantir a amplificação da cidadania, a nos tornar fortes, social e politicamente. Estamos, ao contrário, sem graça, submissos, tristes como nação, distantes dos valores imperecíveis que em outras épocas foram revelados. Tudo virou farsa, investidas de vãs pretensões de "democracia", é apenas tirania. Como diz T.S Eliot: "Entre o movimento e o ato "Entre a ideia e a realidade " cai a sombra".
Foi Capistrano de Abreu, se não falha a memória, que enxergava a salvação da sociedade brasileira na observância de uma lei simples: "Que obrigasse todos os brasileiros a terem vergonha na cara".
Disse Aristóteles, em Política, Livro V, Capítulo 5. "As revoluções são causadas pela intemperança dos demagogos... O mero estabelecimento de uma democracia não é a única nem a principal tarefa do legislador... Difículdade maior é preservá-la. O legislador deve procurar, portanto, uma base firme segundo os princípios já estabelecidos, no tocante à preservação e destruição dos Estados; ele deve acautelar-se contra os elementos destruidores; e deve fazer leis, escritas ou não, que contenham medidas de preservação do Estado".
Enfim, em reflexão maior, esses personagens são irmãos gêmeos na peça teatral da ineficiência nacional, na prática só mudaram a guarda do palácio, mas o enredo é quase o mesmo.
Paulo Roberto Cannizzaro é escritor