Quem mergulha no mundo armorial de Ariano sabe que vai entrar num universo onde entra João Suassuna, “um cavaleiro sem mancha e sem medo”; na fé em Nossa Senhora Compadecida; no Sertão de Taperoá; na máquina de escrever; nas músicas armoriais; no traje Sport Fino e no fardão da Academia Brasileira de Letras. Sem deixar de mostrar o amor por Dona Zélia de Andrade Lima Suassuna, filhos, netos e bisnetos. E coube ao neto mais velho, João Suassuna, ser o cavaleiro a defender publicamente o legado de Ariano.
“Olha, é um desafio, mas é também muito emocionante pra gente. Porque eu digo desafio, Ariano, ele disse numa passagem, numa conversa, ele disse, ‘olha, eu acho que é uma espécie de megalomania minha, mas eu acho que o povo brasileiro me incumbiu de uma missão, que é defender o nosso País, a nossa cultura e o próprio Povo Brasileiro’. E eu acho que a gente trazer uma exposição como essa também é uma espécie de megalomania. Tem que ser corajoso”, afirma Suassuna.
João Suassuna trabalhou duro ao lado de uma grande equipe e do coordenador, o publicitário Jader França. “O projeto veio de um sonho, de levantar um legado do nordestino, um legado da cultura nordestina. A gente vê que em tantos lugares todo mundo valoriza tanto seus artistas e aqui no Brasil nem tanto. Então eu fiz uma visita à Europa e visitei o museu imersivo e vi tantos artistas sendo consagrados, sendo homenageados. E alguns até vindo para o Brasil, nada contra eles, mas eu tenho gente muito melhor para ser homenageado. E a partir daí veio o desafio”, relata.
Mergulho Biográfico - A imersão obedece a uma ordem cronológica. Uma das primeiras salas mostrou várias gotas vermelhas penduradas, representando o sangue de seu pai, João Suassuna (1886-1930), assassinado no Rio de Janeiro aos 44 anos em meio aos imbróglios políticos da Revolução de 1930. Ariano tinha apenas três anos e a ausência paterna trouxe mudanças para a família. Primeiro, tendo que sair da capital da Paraíba (hoje João Pessoa) para o interior e segundo, a morte do político acabou sendo determinante para a sua trajetória como escritor.
Outra sala que representou a infância de Ariano foi a chegada de um circo em Taperoá. O menino ficou tão encantado com as cores, músicas, brilhos, artistas, palhaços, trapezistas que chegou a planejar a fuga com a trupe. Sua mãe, Dona Rita de Cássia, descobriu a tempo e impediu o filho de virar circense. De volta ao lar, Ariano descobre a biblioteca de seu pai e aí sim, ele conhece o mundo através dos livros e isso determina o seu destino: a Literatura. Nessa sala imersiva estava a biblioteca (representada cenograficamente) e a cadeira de balanço que ele usava em sua casa (essa sim, real, retirada da sala de casa de Dona Zélia, viúva de Ariano).
Em outro espaço, uma grande árvore, com tronco de baobá e frutos de romã, representou a árvore genealógica da Família Suassuna, com os seis filhos, os netos e os bisnetos, alguns deles artistas, como Dona Zélia. A história do amor de Ariano e Zélia é um belo capítulo à parte, com 57 anos de casamento, de 19 de janeiro de 1957 até 23 de julho de 2014, data de seu encantamento, pois um mestre como Ariano não morre, se encanta e permanece vivo em sua obra.
Na década de 2000, uma de suas aulas-espetáculo virou meme. Alguém tentou “convertê-lo” e ele, de forma bem-humorada, cantou uma música que falava dos físicos Ernest Rutheford (1871-1937), que era neozelandês; e Niels Bohr (1885-1962), dinamarquês. Além de um cavalo morto - um animal sem vida - e que “in redó do buraco tudo é bêra”. O vídeo foi transformado em um funk (ou “funque”) e virou meme. Resultado: nessa exposição imersiva, transformaram o antigo meme num “brega funque” com direito a Bohr e Rutheford dançando passinho. Há quem diga que o mestre tenha se divertido com o “funque”. Mas isso eu esqueci de perguntar ao João Suassuna.
Auto da Compadecida – Claro que sua obra mais conhecida não poderia deixar de ser conferida. Com direito a atores interpretando a Compadecida e o Cristo Negro. Inclusive, quando a peça foi lançada, na década de 1950, foi uma polêmica terrível. Após séculos de um Jesus (um judeu, nascido na Palestina) sendo retratado como um branco europeu dos olhos azuis, ser retratado como afrodescendente. Detalhe: no filme que será lançado no final do ano, a Compadecida também é negra. E os preconceitos voltaram à tona. Será que o povo esqueceu que Nossa Senhora Aparecida - padroeira do Brasil - é negra?
Mas enfim, voltando à exposição...
Eu, durante a imersão, acabei me lembrando de que assisti as outras duas versões do Auto da Compadecida no cinema. A versão dos Trapalhões, ainda criança; e a versão clássica, na adolescência. E as comparações são sempre inevitáveis. Quando vi a versão do filme dos Trapalhões (1987), eu queria ver os mesmos personagens da TV e fiquei chocada quando João Grilo (Renato Aragão) tinha sido assassinado. Uma criança de nove anos vendo seu personagem da infância baleado por um cangaceiro. Na adolescência, vi a versão filmada em 1969 com Regina Duarte interpretando a Compadecida e a dupla João Grilo e Chicó sendo, respectivamente Armando Bógus (1930-1993) e Antônio Fagundes. Como já tinha lido o livro no colégio, eu já entendia melhor.
Enfim, eu não vou dar mais spoiler... “Spoiler não, antecipação, que meu avô não gosta de estrangeirismos!”, me avisou João. Corrigindo: Eu não vou antecipar mais nada dessa exposição. Vou é dizer pra vocês que a exposição tá linda e você mergulha no mundo de Ariano e do Auto da Compadecida. Ah! Mais uma coisa: Em exposição estava o Traje Sport Fino, preto e vermelho. Se Ariano estivesse fisicamente presente (ele teria 97 anos atualmente), certamente ele estava vestido nessa roupa especial, afinal, o Sport voltou à Série A do Campeonato Brasileiro... “Felicidade é torcer para o Sport”, dizia o mestre.
Ingressos e horários
Os ingressos custam R$ 35 (meia), R$ 70 (inteira) e R$ 175 combo família (quatro ingressos) de segunda a quinta; e R$ 40 (meia), R$ 80 (inteira) e R$ 200 combo família (quatro ingressos) de sexta a domingo. Os ingressos podem ser adquiridos no site da Fever (https://feverup.com/m/258242) e no App do RioMar Recife. O horário de funcionamento da exposição é das 9h às 22h de segunda a sábado, e das 12h às 21h nos domingos e feriados.
Serviço
Exposição "O Auto de Ariano, o Realista Esperançoso"
Local:
Espaço de Eventos – Piso L3 (mesmo nível da Praça de Alimentação)
RioMar Recife - Av. República do Líbano, 251, Pina – Recife
Data de estreia: sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Em cartaz até o dia 30 de janeiro
Horário:
Segunda a sábado, das 9h às 22h;
Domingos e feriados, das 12h às 21h.