A conexão artística que faz a trilha do SaGRAMA ser um sucesso por onde passa parece mesmo ser ancestral. O grupo dedicado à música instrumental, tocando ritmos nordestinos com arranjos eruditos, está em clima de festa antecipada para celebrar as três décadas de uma trajetória plural. Os 30 anos propriamente ditos ainda serão em agosto do ano que vem, mas, abrindo esse calendário comemorativo, o SaGRAMA faz o primeiro espetáculo na noite de 2 de novembro, um sábado, às 19h30, recebendo convidados para lá de especiais no Teatro do Parque, na Boa Vista, no Centro do Recife, bairro que o viu nascer.
Para marcar o início deste ciclo, o espetáculo foi batizado com o nome do projeto cultural homônimo - “Na Trilha dos 30”, que envolve a divulgação em redes sociais, e o embrião dessa vontade de perpetuar o trabalho do grupo, incluindo a possibilidade de serem produzidos um mini documentário e um livro. Tudo tocado com esmero, garra e delicadeza por uma equipe de fazedores culturais entusiastas e fãs do SaGRAMA. A iniciativa é realizada por Manuela Vieira e Emerson Andrade, do Móbile Studio Recife, com produção de Carla Navarro.
“Estávamos sem lei, nem rei. Agora, estou muito feliz, pois teremos um show de primeiro nível. Com convidados, cenários e arte inéditos, técnicos cuidando de som e áudio. Fico muito feliz que seja assim. Se o primeiro espetáculo desta trilha está assim, imagine o espetáculo-meta?”, evidencia Sérgio Campelo, diretor musical e flautista do SaGRAMA, e um dos fundadores do grupo, ao lado do violonista Cláudio Moura e do percussionista Antonio Barreto.
Sérgio lembra que são raros os grupos de música instrumental que chegam a três décadas no Brasil. “A própria sustentação é complicada e eles acabam se desmanchando. O feedback da mídia é menor, mais sutil do que o do artista pop, que atinge uma massa maior de espectadores. Nos consideramos [um grupo] de sucesso”, acredita o flautista.
Ao longo desta trajetória, o SaGRAMA coleciona 10 discos gravados, além do reconhecimento como Melhor Álbum, no Prêmio da Música Brasileira 2016, e de indicação ao Grammy Latino, no ano seguinte. No show “Na trilha dos 30”, o público terá a oportunidade de ouvir desde clássicos da trilha sonora original criada para “O Auto da Compadecida”, além de outras obras icônicas, que marcaram a história do grupo.
Sérgio Campelo explica as motivações para a escolha dos convidados especiais. “É uma pitada de uma turma de fora, mas com o mesmo perfil de audiência. Uma mistura destes senhores, mais idosos, dos festivais, com a galera mais descolada e crianças também, pois temos fãs na faixa dos 16 anos. É bom para dar uma renovada na gente”, acredita.
Ele completa: “gosto de arriscar, de mexer, sem mudar a essência, o gênero musical. É quando a gente traz a ideia do contemporâneo, mas preservando a integridade das composições”, pontua o instrumentista, ressaltando que Spok é um grande talento da terra, com qualidade técnica e virtuoso saxofonista. “Com ele, teremos um momento mais festivo, pelo que ele representa para o Carnaval e para o público de Pernambuco”, salientou Sérgio, que conta pelo menos mais quatro apresentações com o artista.
Já a presença de Isadora Melo, Rafael Marques e Martins proporciona encontros inéditos. “Rafa [Marques] também é um artista completo, que faz arranjos, compõe, montou a Orquestra Malassombro, com uma linguagem bem única. Eles representam a renovação, a boa música feita em Pernambuco atualmente. Com Rafa, Isadora e Martins será a nossa primeira vez com eles”, aponta.
ORIGEM - O conjunto musical surgiu a partir de uma disciplina de música brasileira erudita de câmara, ministrada por Campelo, professor do Conservatório Pernambucano de Música (CPM), e em que eram estudados compositores brasileiros como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Villa-Lobos e Radamés Gnatalli.
“O compositor Dimas Sedícias nos encontrou e trouxe mais músicas, criou para nós um boi de Natal, fez obras especiais, trouxe folguedos, partindo da música popular, para arranjos mais eruditos, mais bem elaborados”, recorda Sérgio. Ele lembra também de outra figura fundamental: o produtor Luiz Guimarães, àquela altura já com mais de 20 discos lançados, os viu tocando em uma festa de confraternização e propôs para gravarem um disco. Surgiu daí o primeiro projeto cultural a ser aprovado pelo Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), da Prefeitura do Recife. “Se não fosse isso, íamos ficar ali restritos ao pátio do Conservatório. Vendemos 16 mil exemplares deste CD de estreia”, conta.
Com “O Auto da Compadecida”, para além do mérito da obra do dramaturgo Ariano Suassuna, primeiro adaptada para série de TV, em 1999, e no ano seguinte para o cinema, em filme que foi recorde de bilheteria nas salas nacionais, dirigido por Guel Arraes, o SaGRAMA experimentou um de seus trabalhos mais marcantes. O convite partiu do diretor de teatro e produtor de elenco João Falcão e Carlinhos Borges. Foram solicitadas quatro a cinco músicas que servissem de sonoridade aos personagens do filme. Eram elas: “Régia”, “Rói-Couro”, “Choro Miúdo”, “Sertão” e “Mar e Embolé”.
Guel Arraes ouviu o material, se interessou e pediu a trilha completa original. “Criamos também ‘Presepada’, que vai estar no filme 2, que estreia em dezembro deste ano. ‘O Auto’ foi um divisor de águas em nossa carreira. Primeiro, passou na Globo. Em 2000, chegou aos cinemas. Pegamos carona neste boom. Fizemos shows no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Brasil percorremos quase todas as regiões. E fomos lançando um disco a cada dois anos, ou um ano, em média”, calcula Sérgio.
Depois disso, maestros do naipe de Edson Rodrigues e Clóvis Pereira os procuravam para gravar suas peças. O SaGRAMA viajou pelo circuito do Sesc nacional e esteve também na Europa para tocar.
FORMAÇÃO - Um dos segredos do SaGRAMA talvez seja a permanência de sua base, com os três músicos fundadores (Sérgio Campelo, Cláudio Moura e Antonio Barreto), e a manutenção da formação instrumental. São sempre três representantes no sopro, três nos instrumentos de cordas e mais três na percussão (hoje reforçados para quatro).
“A pessoa sai do grupo, mas a função fica, não substituímos o instrumento para não perder a identidade. E, geralmente, buscamos alguém mais jovem”, defende Sérgio. “Não colocamos rabeca e nem mexemos nessa unidade de som para que haja a manutenção desta raiz. Hoje somos 10 em cena. Antes, éramos 9”. Segundo ele, mais de 100 convidados já tocaram junto ao SaGRAMA. E alguns integrantes ficaram por muitos anos.
A flautista Frederica Bourgeois, hoje morando em Paris, por exemplo, permaneceu por 26, 27 anos. Já Tarcísio Resende, um dos percussionistas, no grupo há mais de 20 anos, é amigo de mestres do maracatu e toca com eles, o que traz uma mistura diferente de informações musicais. Ele ensina percussão no projeto social do Movimento Pró-Criança e trouxe de lá dois dos integrantes mais recentes, mas que estão oficialmente no grupo desde a pandemia de covid-19, Danniely Yohanna e Isaac Souza. “Dani e Isaac são da música popular. Eles têm a vivência dos terreiros de candomblé, e circulam por lugares em que não estamos”, observa Cláudio Moura.
Para a produtora Carla Navarro, a longevidade do SaGRAMA se deve ao fato de irem se renovando “Esse projeto é um novo sopro. São 30 anos, com corpinho de 15”, brinca. Manuela Vieira comenta que a musicalidade do conjunto é muito agradável, e traz, por muitas vezes, elementos surpresa. “A composição começa de uma forma, daqui a pouco ela muda, entra um instrumento, sai outro e se torna uma brincadeira com a sonoridade, algo muito interessante de ouvir. E que remete muito ao teatro e à dança”, compara.
As vendas dos ingressos já estão no terceiro lote e a entrada individual custa R$ 75 (inteira) pelo Guichê Web. As meia-entradas também já foram todas vendidas.
SERVIÇO
Na trilha dos 30, show do SaGRAMA, com participações especiais de Spok, Rafael Marques, Isadora Melo e Martins
Onde: Teatro do Parque (Rua do Hospício, 81, Boa Vista)
Quando: 2 de novembro, às 19h30
Quanto: R$ 75 (inteira), à venda pelo Guichê Web