A terceira edição da Expo Preta RioMar aconteceu entre os
dias 15 e 18 de agosto, sendo um projeto autoral que destaca a valorização da
cultura negra, impulsiona o trabalho de pessoas afroempreendedoras e é
realizado em parceria com o Instituto JCPM de Compromisso Social (IJCPM).
O evento contou com 24 estandes de pessoas
afroempreendedoras oriundas de 14 bairros do Recife. As áreas de atuação também
foram ampliadas, incluindo produtos naturais e para alimentação; entretenimento
infanto juvenil; moda autoral/artesanal; serviços e produtos de beleza; e
produtos e serviços associados à sustentabilidade.
Claro que o evento foi um grande sucesso!
Mas o que deixou meu coração muito quentinho foram os painéis
do sábado à noite com três convidados extremamente poderosos naquilo que eles
fazem, e que são referência no trabalho desenvolvido e, principalmente, no
sucesso: a chef de cozinha Dona Carmem Virgínia, o jornalista Pedro Lins, além
da atriz e cantora Zezé Motta.
Pedro Lins - Antes de mostrar como foram os painéis – ambos mediados por Lins – vou contar um pouco da biografia desse trio maravilhoso: Pernambucano nascido no Recife, Pedro Lins de Sousa Filho é formado em Jornalismo pela Uninassau e pós-graduado em Tecnologia, Inovação e Inteligência pelo Centro de Tecnologia Cesar School. Ele teve uma qualificação ao passar uma temporada em Londres.
Lins é amante de poesias, viagens e vinhos. Pedro Lins
também é um incentivador da atividade física e um constante ativista da luta do
povo negro. Envolvido em causas que visam igualdade racial em todos os espaços.
Também é palestrante, mestre de cerimônias e atualmente apresenta o Pequenas
Empresas, Grandes Negócios, da TV Globo. E claro, ficou muito conhecido ao
apresentar os telejornais locais da Globo Recife.
Dona Carmem Virgínia - Ela é especializada em Culinária
Ancestral e faz o maior sucesso nos restaurantes Altar Cozinha Ancestral
(Patrimônio Cultural de Pernambuco), com unidades no Recife e em São Paulo. Mas
do que se trata a Ancestralidade? Candomblecista desde o berço, ela foi
escolhida ainda criança para ser Iyabase, aquela que cozinha e tem todos os
conhecimentos culinários das comidas-de-santo.
Hoje ela é conhecida nacionalmente através do programa Uma
Senhora Panela, do canal por assinatura GNT e é embaixadora de projetos da
Coca-Cola. Apesar de todo esse sucesso, ela não deixa suas origens de lado e
sempre está promovendo cursos para a comunidade. Sua maior alegria são seus
filhos. “Se eu posso dizer qual a melhor coisa da minha vida, eu posso dizer
que é a de ser mãe”, afirma.
Zezé Motta – Maria José Motta de Oliveira, atriz e ativista com 80 anos de idade e mais de 50 como artista. Ela é atriz e cantora, além de ser uma ativista, expoente da cultura afro-brasileira. Ela estourou nacionalmente ao interpretar Xica da Silva no cinema e tem uma trajetória de várias novelas na TV brasileira, de Xica da Silva (TV Manchete, onde interpretou a sofrida Maria) à Floribella (TV Bandeirantes, onde interpretou a mãezona Titina). E claro, uma extensa carreira na TV Globo, onde podemos citar, entre seus trabalhos mais recentes, nas novelas Fuzuê, Salve-se Quem Puder e O Outro Lado do Paraíso, onde interpretou a Grande Mãe do Quilombo.
Militante do Movimento Negro Unificado (MNU),
denunciou racismos e atuou ativamente para combatê-lo, organizando por exemplo
um arquivo de atores negros para que não haja o silenciamento destes artistas. A
autora Lélia Gonzalez em sua "Homenagem a Zezé Mota - História de vida e
louvor" exprime que "sua arte também está a serviço das crianças
pobres e órfãs, numa atuação marcada pela discrição e pela solidariedade".
Primeiro painel – Recebida por Pedro Lins e com muitos aplausos de uma plateia formada por todos os tipos de público , Dona Carmem Virgínia abriu um lindo sorriso e contou a sua história de vida. Para ela, a comida tem muito de afeto e se lembra da galinha à cabidela feita por sua avó, uma merendeira de escola pública. “Eu lembro de minha avó pegando a galinha, abatendo a galinha e preparando o almoço da família.
Ela também contou do apoio que recebeu dos atores Lázaro
Ramos, Taís Araújo e Rodrigo Hilbert, de como transformou comida afetiva e
ancestral em ramo de negócio para empreender e também de como abriu as duas
unidades do Altar Cozinha Ancestral. Após o painel, eu fui conversar
rapidamente com ela, que me deu um abraço bem forte antes de gravar comigo.
Eu perguntei a ela o que a Carmem Virgínia bem-sucedida de
hoje diria àquela menina que observava a avó fazendo a galinha à cabidela: “Teime,
porque o mundo vai te dizer que você não vai conseguir, que o mundo vai te
tirar até o a vontade de viver por muitas vezes, mas você tem que ser teimosa,
porque você vai conseguir”.
E qual a sua maior virada de chave? “Eu acho que foi quando
eu tive meus filhos botar alguém no mundo é tão lindo, é tão marcante é de extrema
responsabilidade da gente deixar algo de bom do que a gente é para esse mundo e
eu acho que se eu botei alguma coisa boa nesse mundo foram os meus filhos”,
finaliza.
Segundo Painel – O pátio estava completamente lotado.
Claro, uma diva maravilhosa, estrela do cinema, da TV e da MPB e ela contou a
história da sua vida, de como sua família era do interior do Rio de Janeiro, e
de como herdou do pai a veia artística. Ela então ganhou uma bolsa de estudos
no Tablado, famosa escola de Artes Cênicas do Rio de Janeiro. Ao fim do curso,
recebeu um convite para um teste. A peça em questão? Roda Viva, de Chico
Buarque e Ruy Guerra.
Desde sempre, ela questionou que os afrodescendentes sempre
tinham os mesmos papéis: nas novelas de época, sempre eram escravizados e em
tramas atualizadas, eram sempre empregados domésticos. “Nada contra, mas porque
o preto e a preta sempre iam para os papéis de personagens servis? Personagens
que só falavam ‘sim senhor’, “sim senhora”, que não faziam diferença nas
tramas, que não tinham família. E com o tempo, comecei a recusar esses papéis”.
Quebrando o protocolo, o público começou a fazer as
perguntas. Então, fiz uma pergunta que valeria tanto para Zezé Motta, quanto
para o Pedro Lins: “O que vocês diriam para a menina, ou o menino que têm uma
baixa autoestima, que não se aceitam como são devido ao preconceito”? Silêncio
na plateia. A Zezé e o Pedro se entreolharam, mas ela, de forma corajosa, disse
que iria responder.
Resposta linda - “Eu vou falar sobre uma experiência minha pra ver se eu consigo chegar lá. m mil 1969, eu fui com o saudoso Augusto Boal, um grande de produtor e diretor de teatro e eu fui com ele aos Estados Unidos. Exatamente durante uma um momento em que estavam fazendo uma campanha chamada Black is Beautiful, Negro é Lindo. E fiquei encantada com isso e comecei a prestar atenção”
E ela seguiu com a resposta: “Os negros, lá, andavam de
cabeça erguidas. O fato de ver os homens e as mulheres de cabeça erguida e fez
lembrar que nós aqui estávamos, olhando assim sabe? Cabisbaixo. Disseram que somos
feios, nós acreditamos. Tão dizendo que nós fazemos parte de um grupo inferior,
nós acreditamos, aí a gente vem se diminuindo vai se sentindo inferior, não é?
Por que que então que eles tão de cabeça erguida? Porque eles sabem que não
fazem parte de um grupo inferior, eles sabem que são lindos”.
Pedro Lins complementou a fala de Zezé Motta: “Eu acho que
se quando se fala de educação antirracista, de pais, de mãe, aquilo que a gente
oferece para os nossos filhos, crianças e adolescentes, é importante. Então se
você oferece e você mostra para uma criança uma um outro perfil de pessoa
bonita ela vai olhar porque você só está mostrando para ela como se só fosse
bonita a pessoa branca. Então você tem que mostrar para ela a pessoa bonita
preta também”.
E ele encerrou da melhor forma: “Sabe você vê a Zezé na tevê
e a menina olha o cabelo dela e faz, pai, o meu cabelo é igual o dela. E o pai
e a mãe diz o seu cabelo é tão bonito quanto o dela. A gente precisa
oportunizar isso para as nossas crianças, para que elas cresçam também se
achando bonitas. Se a gente não nos mostra na televisão para elas, elas tão
tendo uma outra referência que não é a nossa. E isso faz muito parte dessa
construção desse indivíduo que a gente quer”. Ao fim do painel, Zezé Mota
cantou acapella a sua canção “Senhora Liberdade”, sendo acompanhada por todos
que ali estavam.
Nessa noite aprendi que a mulher preta é linda, poderosa e afroempreendedora.
Horizontais: Arnaldo Carvalho