Ainda que informação sobre cor da pele não seja solicitada a quem requisita um empréstimo, algoritmos de análise de crédito frequentemente reproduzem a discriminação racial quando, por exemplo, limitam a concessão de crédito para certos endereços ou segmentos de negócios comumente associados à população negra. Porém, uma nova geração de fintechs comandadas por pessoas negras têm focado no desenvolvimento de algoritmos inclusivos para atender à população da periferia, predominantemente negra.
As constatações são de estudo publicado nesta terça (30) por pesquisadores do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVcemif) na revista científica “Management Information Systems Quarterly”. Entre 2021 e 2022, eles estudaram três fintechs negras fundadas entre 2017 e 2020. Essas empresas utilizam a tecnologia para democratizar o acesso ao crédito no Brasil.
“A realidade de exclusão racial mobiliza a população negra, que se organiza para enfrentar a situação de racismo. No mercado financeiro acontece o mesmo”, afirma Eduardo Diniz, pesquisador líder do estudo e professor da FGV EAESP. Ele explica que as fintechs negras reconfiguram os algoritmos tradicionalmente usados no mercado a partir de investigação sobre aqueles que têm crédito negado, identificando elementos discriminatórios nesses algoritmos. “Não existe informação sobre raça, mas existe de CEP, de território, e nós sabemos onde as populações negras se concentram: nas periferias. Ao analisar os dados que levaram à exclusão, é possível propor alterações nos modelos de crédito”, descreve.
Na sua análise, os pesquisadores avaliam as iniciativas das fintechs negras com base na Teoria da Justiça Social da socióloga Nancy Fraser, que se expressa com base em três conceitos. O primeiro é o da representação, que explica a liderança das pessoas negras nas iniciativas de inclusão; o segundo é o do reconhecimento da condição de minoria, ou seja, o pertencimento a uma comunidade excluída que deve atuar contra a discriminação; já o último se refere à redistribuição, ou seja, permitir que minorias excluídas tenham acesso a renda e benefícios econômicos de uma sociedade justa.
Os pesquisadores avaliam que as ações dessas fintechs aplicam os três conceitos de Fraser por meio do que descrevem como “experimentação afirmativa”. Ou seja, as fintechs se propõem a desenvolver algoritmos inclusivos para atingir gradativamente seus objetivos de justiça social. Na prática, as empresas enfrentam diversos desafios, como a falta de mão de obra negra especializada, exigência de retorno rápido dos investidores e o viés existente nos algoritmos disponíveis no mercado. Para baratear seus custos operacionais, “fintechs dependem de sistemas pré-existentes”, explica Diniz. “O problema é que esses algoritmos de mercado são discriminatórios, então as fintechs têm que adaptar esses produtos para modificar essas lógicas”, diz o pesquisador.
Os resultados da pesquisa sugerem que instituições financeiras comprometidas com a inclusão devem revisar e transformar seus algoritmos existentes. Este processo de transformação deve ser ancorado em três pilares fundamentais: permitir que os indivíduos socialmente marginalizados assumam a liderança no processo, direcionando esforços para sua própria inclusão; encorajar esses indivíduos a reafirmar suas identidades no combate exclusão; e integrar a inteligência e sensibilidade humanas ao uso e desenvolvimento de algoritmos para análise de crédito.
No entanto, para Diniz, ainda é cedo para analisar os resultados efetivos das técnicas aplicadas pelas fintechs negras, pois o mercado é muito dinâmico e o caminho para o desenvolvimento de algoritmos inclusivos é longo. “Analisamos estas empresas ainda recém-nascidas, mas esperamos poder relatar as consequências dessas ações daqui alguns anos novamente”, finaliza o pesquisador.
Agência Bori