segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Ética, vida e morte em “Kairós: Minióperas de um tempo oportuno”


Montagem inédita tem libreto, composição, interpretação e direção assinados por alguns dos expoentes do canto lírico em Pernambuco. Produzido com apoio do SIC da Prefeitura do Recife, espetáculo cumpre temporada, de quinta a sábado (29 a 31/8), às 20h, no Teatro Hermilo, com entrada franca

Oito cantores, quatro músicos executando composições ao vivo, uma direção de arte que promete transportar a plateia para um universo bem distante do convencional. Ou melhor, das óperas tradicionais. Além de visualmente inovadora, a teatrologia “Kairós: Minióperas de Um Tempo Oportuno” oferece ao público a oportunidade de conferir uma montagem inédita, com libreto, composição, interpretação e direção assinados por alguns dos principais nomes da cena da música erudita no Estado, a exemplo de Maria Aída Barroso. Professora do Departamento de Música da UFPE, ela assina a direção musical.

No elenco, dividem o palco experientes cantores e novas promessas do canto lírico de Recife: Anita Ramalho, Lucas Melo, Josie Emanuele, Osvaldo Pacheco, Rodrigo Lins e Vanessa Melo. A eles se juntam os também professores da UFPE Virgínia Cavalcanti e Luiz Kleber Queiroz, que assina a direção geral do espetáculo, e Antônio Barreto (percussão). Ao lado deste último, completam o conjunto de câmara Gabriel David (violoncelo, Jaderson Tenório (clarinete) e Maria Aída (piano).

O espetáculo tem entrada gratuita e conta com apoio do Sistema de Incentivo à Cultura, da Prefeitura do Recife, via Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura do Recife, e cumpre a primeira temporada no Teatro Hermilo Borba Filho, de 29 a 31 de agosto, às 20h. A realização é da 25 Produções e Publicidade, que tem à frente Matheus Soares, cantor lírico com experiência variada dentro e fora do Brasil, que inicia voo na área da produção de eventos culturais. As três sessões contarão com intérpretes de Libras.

Resultado de dois projetos culturais – além do incentivo do SIC, a fase inicial, de adaptação dos originais para os libretos contou com apoio do Funcultura, do Governo do Estado -, “Kairós” reúne quatro minióperas de cerca de 20 minutos cada, apresentadas em sequência. Temas universais como o tempo não-linear e a angústia do ser humano perante a vida e a morte são tratados de maneira instigante e com um toque de comédia.

“É uma obra experimental, contemporânea, sobre uma temática universal, que é a questão da vida e da morte, do tempo... Kairós é esse tempo vivido, o momento escolhido, que dá a cada um a possibilidade de seguir caminhos e tomar decisões. Na Grécia Antiga, o tempo era dividido em esferas diferentes. Havia a vivência do tempo e o tempo cronometrado, o dos minutos, chamado de Khronos. Kairós era a vivência do tempo. E ainda tinha o tempo da eternidade, o Aion”, explica Luiz Kléber Queiroz, que além de responder pela direção, assina os libretos.

Durante três meses, ele se dedicou a adaptar os quatro contos do italiano Dino Buzzati (1906-1972) – “Equivalência”, “Delicadeza”, “Um Caso Assombroso” e “A Almôndega”. As obras trazem referências ao universo do surrealismo e do teatro do absurdo, que marcam a obra do autor, que ganhou fama com o romance “O Deserto dos Tártaros” (1940). De estilo inconfundível, Dino quebrou as convenções das “boas maneiras” da época, com uma visão fantástica e absurda da realidade.

Essas características foram mantidas no roteiro das minióperas, que aludem ao cotidiano, visto por meio de uma lente de aumento musical, que amplia a percepção dos espectadores acerca do entendimento da própria impotência humana.

O compositor recifense Victor Luiz, que vem se destacando por criar obras com forte influência de elementos da cultura musical pernambucana e da música contemporânea estrangeira, dentro da cena instrumental local, assina as composições. O processo de criação foi intenso e se prolongou durante os ensaios. A diretora musical, Maria Aída, reforça a importância da presença do compositor nos ensaios.

“Como Kairós é uma ópera em sua primeira apresentação pública, o trabalho de leitura e os estudos iniciais com a presença do compositor fizeram a diferença. As primeiras leituras junto com o elenco nos ajudaram a produzir a partitura acabada que está sendo apresentada e Victor Luiz se mostrou sempre muito aberto a discutir as dificuldades e fazer os ajustes para melhoria da música, tanto da parte vocal quanto da instrumental. Nesse sentido tivemos uma construção mais colaborativa”, explica ela.

O palco escolhido para o espetáculo, o Teatro Hermilo Borba Filho, em formato de arena, fugindo do tradicional palco italiano, proporciona proximidade com o público, que dispensa requisitos comumente presentes no gênero, como a maquiagem exagerada e figurinos mais pesados. “O formato arena se encaixa melhor neste tipo de montagem. Quando se trata de uma produção de câmara, o cantor acaba tendo que exercitar mais como ator. As expressões e a movimentação cênica acabam sendo mais valorizadas. A atuação ganha a mesma importância que o canto”, destaca Luiz Kléber.

O espaço e a proposta inicial pensada para “Kairós” foram decisivos também para o trabalho de criação da direção de arte de Marcondes Lima, que propõe um novo olhar ao padrão habitual de uso de peças do figurino. “As óperas têm uma pegada de surrealismo e os figurinos e elementos seguem por este caminho. Eles aparecem em desacordo com a normalidade, digamos assim. Faço uso de paletós de homens de negócio pelo avesso, buscando tornar as figuras ainda mais grotescas”, revela o encenador.

Neste curioso trabalho de desconstrução, Lima inverte abas, ângulos e elementos, transformando camisas masculinas em saias e vestidos usadas por personagens femininas. “Há sempre algum elemento feminino nas roupas masculinas e algo masculino nas roupas usadas pelas atrizes. São detalhes que tiram do contexto e dialogam com as óperas”, finaliza o diretor de arte.

ENSAIO GERAL ABERTO

A montagem de “Kairós: Minióperas de Um Tempo Oportuno” desempenha também um papel ativo no trabalho de formação de plateia e de profissionais para a ópera em Pernambuco. Por isso, os diretores decidiram abrir o ensaio geral do espetáculo, que será realizado nesta segunda-feira, às 19h, no Teatro Milton Bacarelli, no Centro de Artes e Comunicação da UFPE. A ideia é realizar uma sessão com comentários do compositor Victor Luiz, em torno de uma plateia de estudantes de música, artes cênicas e demais artes que dialogam com este tipo de produção, além dos fãs da ópera.

SERVIÇO:
“Kairós: Minióperas de Um Tempo Oportuno” – De 29 a 31 de agosto, às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142, Bairro do Recife). Ingressos gratuitos distribuídos uma hora antes da sessão na bilheteria do teatro. * Ensaio geral: segunda-feira (26/8), às 19h, no Teatro Milton Baccareli. Mais informações no instagram @25producoes