sábado, 29 de junho de 2024

Os deslocamentos das pessoas pelo mundo, essência do novo romance de Paulo Roberto Cannizzaro


O novo romance é uma história sobre os deslocamentos de pessoas pelo mundo, presente em todos os ciclos da experiência humana. E, nesse contexto, o Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo desde a colonização pelos portugueses até meados do século XX.

Paulo Roberto Cannizzaro traz na essência do livro, já lançado em Portugal, e agora no Brasil, essa diversidade resultado da contribuição de vários povos na formação da identidade brasileira, como os índios, os primeiros colonizadores (os portugueses) e imigrantes seguintes (especialmente, franceses, holandeses, italianos, japoneses, alemães entre outros), e os negros vindos da África.


O povo brasileiro


O antropólogo Darcy Ribeiro, (1922-1997) autor de uma das obras importantes para se compreender a formação étnica e cultural do povo brasileiro, o ensaio histórico-antropológico “O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil, editado em 1995 e que completa 20 anos, diz em sua obra que os brasileiros apresentam um traço particular da constituição do Brasil:


A presença de cinco grandes culturas que, embora distintas, seriam complementares. São elas: o Brasil crioulo (que se estendia do litoral de São Luís ao Rio de Janeiro e era muito influenciado pela África), o Brasil caboclo (região Norte com a Amazônia e os índios), o Brasil sertanejo (Nordeste, seu sertão, caatinga), o Brasil caipira (centro-oeste, sudeste, influência da cidade de São Paulo na formação do país) e o Brasil sulino (mamelucos vivendo em uma área muito rica e fértil, os pampas gaúchos, e com forte interferência europeia.


Com tantas mesclas Darcy classificou que os brasileiro são “A nova Roma, tardia e tropical”, surpreendentemente a maior nação neolatina, artística e culturalmente criativa, feita de uma homogeneidade linguística única e de uma gente emotiva e amorosa, o que de certa forma constitui a identidade de brasileiros, tão originais.


Ao contrário de Gilberto Freyre que acreditava “que a miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a senzala”. Ribeiro não enxergava a mestiçagem ou essa mistura de diferentes Brasis em um como sinônimo de “democracia racial”. Para Ribeiro, para existir a democracia racial era preciso, antes, vivermos numa democracia social


A presença da imigração italiana: um forte fio familiar ao romance


A imigração italiana se dá fortemente para as Américas, primeiramente, a América do Norte, e depois para o continente sul-americano, e gradativamente se torna um movimento de massa, todos de origem camponesa, notadamente da região do norte da Itália.


“O meu romance traz um recorte de um dos ciclos dessa imigração em certo período, o período específico do início do século passado, e de como o Brasil foi de maneira importante ocupado pelos imigrantes, notadamente a partir da presença da família Imperial no Brasil, e essa imigração ocorreu em vários momentos”, comenta o autor.


Para adentrar na história, Cannizzaro inclui no enredo sua própria linhagem familiar, quando seu bisavô, avô, pai, tios, vieram para o Brasil para exercer a profissão de alfaiates que, em certo momento, foi uma profissão notável e muito relevante, muito ligada a expansão do setor da indústria têxtil, fundamentalmente em Minas Gerais, na cidade de Juiz de Fora, e em Campinas, São Paulo.


Estima-se, por exemplo, que só no período de 1860 a 1960 saíram da Itália para o mundo cerca de 20 milhões de italianos, que buscavam principalmente a América do Norte, Brasil e Argentina.


“Em vários ciclos da história do Brasil estivemos abertos para acolher os imigrantes, seja pela necessidade de mão de obra qualificada, gente para trabalhar na indústria, na lavoura, em ocupar regiões desabitadas, e os imigrantes de alguma forma explicam parte de nossa formação”, pontua Cannizzaro.


Nesse aspecto foi fundamental as casas de acolhimento, tal como a Hospedaria do Brás, hoje Museu dos Imigrantes, e em Minas Gerais.


Estímulos à imigração no Império:


O estímulo à imigração no Império era uma resposta ao fim do tráfico de escravos e do próprio escravismo que se desenhava no horizonte econômico brasileiro.


As pressões inglesas pelo fim do tráfico de africanos escravizados no oceano Atlântico geraram profundas consequências no fornecimento de força de trabalho para a economia imperial, principalmente na produção cafeeira. A diminuição de fornecimento de escravos levou os latifundiários a buscarem novas formas de organizar o trabalho nas fazendas, sendo uma das soluções o incentivo à imigração.


As primeiras experiências de imigração de famílias camponesas europeias para o Brasil ocorreram ainda durante o Período Joanino. D. João VI pretendia fixá-las no Sudeste e Sul do país, mas sofreu oposição dos latifundiários brasileiros que tinham interesse nas terras que seriam destinadas aos imigrantes.


Entretanto, a pressão inglesa levou alguns cafeicultores paulistas a reconhecerem a necessidade de substituir o trabalho escravo por uma força de trabalho livre. Havia ainda pressões econômicas para se abandonar o escravismo, pois alguns cafeicultores percebiam que a força de trabalho livre era menos dispendiosa financeiramente que a escrava. Isso se dava principalmente pelos altos custos de capital necessários para a aquisição de escravos.

As primeiras experiências de imigração para o trabalho na lavoura de café ocorreram na década de 1840, na província de São Paulo.


A partir de meados da década de 1870, aumentaram as pressões dos cafeicultores para que o Estado subsidiasse a vinda de imigrantes europeus. A imensa maioria das províncias se opunha ao subsídio, pois a principal beneficiária seria a província de São Paulo. Mesmo assim, o governo imperial destinou verbas para a subvenção da imigração. Parte do dinheiro veio também da província de São Paulo, que em 1886 criou a Sociedade Promotora da Imigração, entidade não lucrativa destinada a recrutar, transportar e distribuir trabalhadores europeus pelas fazendas paulistas.


Durante o governo imperial, o Brasil ainda tinha grande parte de sua economia sustentada pela exportação de gêneros agrícolas. Chegando ao Segundo Reinado, vemos que essa mesma situação se mantinha na medida em que as lavouras de café se desenvolviam com a grande demanda do mercado externo. Sendo assim, conservamos nossa feição econômica sem grandes alterações e continuávamos consumindo produtos industrializados vindos principalmente da Inglaterra.


Essa situação veio a se modificar no ano de 1844, segundo Cannizzaro, quando a implantação da Tarifa Alves Branco modificou a política alfandegária nacional. Interessado em ampliar a arrecadação dos cofres públicos, o governo imperial dobrou o imposto cobrado sobre vários produtos vindos de fora. Com o passar do tempo, a Tarifa Alves Branco permitiu que a incipiente indústria brasileira pudesse fabricar produtos que tinham preços mais competitivos que os importados.


Além desse fator, deve-se também compreender que esse surto industrial vivenciado na metade do século XIX foi estimulado pela proibição do tráfico negreiro. Em primeiro plano, essa outra ação incentivou a entrada de imigrantes estrangeiros que poderiam atender a demanda dos trabalhadores assalariados que apareciam nas grandes cidades. Ao mesmo tempo, antigos traficantes passaram a reinvestir seus capitais em outras atividades, como a indústria.

Nos últimos anos do governo de Dom Pedro II, verifica-se que a indústria brasileira começou a apresentar alguns traços de novo crescimento. Assim como da primeira vez, a riqueza do café exportado gerou capitais que eram investidos na construção de novas fábricas. Nessa época, a produção industrial brasileira se destacou essencialmente pela abertura de fábricas de produção de alimentos, tecidos e alguns produtos químicos.


O contexto em si

A partir desse contexto histórico desenvolveu-se o enredo do romance, num período em que um empresário Bernardo Mascarenhas monta uma Tecelagem e a primeira usina Elétrica na América do Sul, que iluminam a cidade de Juiz de Fora, Belo Horizonte e várias cidades, e criou a conexão de uma história de amor de um negro que vem para o Brasil fugindo do pai de uma mulher branca, dono de uma tecelagem nos Estados Unidos.

“O enredo é a ligação desses dois mundos, divididos pela distância do amor, em clima de desencontros e perdas, e os netos dessas famílias vão tentar ligar esses fios partidos, um desses personagens é um homem português que veio para o Brasil, e ama nosso país”, comenta Paulo Roberto Cannizzaro.

Juiz de Fora, a Manchester brasileira, foi um dos grandes polos industriais do Brasil, no centro da cidade está uma das mais charmosas e atraentes ruas de Juiz de Fora, a Rua Halfeld. O nome é em homenagem ao engenheiro alemão Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld.

Inclusive, foi na Rua Halfeld, que Paulo Roberto Cannizzaro passou grande parte de sua infância, onde as lembranças de ir ao cinema, deu início à sua paixão pela sétima arte, pelos livros e teatro.

“Todos os nossos personagens estão envolvidos nesse ambiente e vão escrever uma história comovente de encontros, de amores e de perdas. Há um fio de despedida de todos aqueles que deixam seu país para trás buscando escrever uma outra história de vida, num lugar remoto”, conclui o autor.

Serviço: Ainda Há Tempo Contemplando o Sol

Autor: Paulo Roberto Cannizzaro

Editora: Ipê das Letras

Vamos de bate-papo com o escritor?

1)Qual é o principal tema abordado no romance "Ainda Há Tempo, Contemplando o Sol"?

Paulo Roberto Cannizzaro - É um romance simples, uma história singela e que o contexto é de um emigrante que sai fugido do Estados Unidos por ser um negro que se casa com uma branca, de uma família empresária americana. O pai é de origem de migrantes italianos, que também migraram para os Estados Unidos

2)Quais são alguns dos povos mencionados que contribuíram para a formação da identidade brasileira, segundo o seu novo romance?

Paulo Roberto Cannizzaro - Portugal, Itália, embora a imigração histórica no Brasil seja diversa, também de alemães, japoneses, e árabe, em períodos distintos.

3)Como a sua origem familiar se relaciona com a história do romance?

Paulo Roberto Cannizzaro - Minha família é de origem italiana, especificamente da Sicília, da cidade de Agrigento, com influência grega, Aragas, o número histórico. Agrigento é a cidade do Vale dos Templos dos deuses, que migraram para Juiz de Fora, Minas Gerais, para o exercício da profissão de alfaiates, uma profissão na época muito nobre na Europa.

A escolha de Minas deve-se a dois fatores. Juiz de Fora tem algumas características parecidas com Agrigento, e tinha uma indústria têxtil nascente no Brasil. Num determinado momento histórico Juiz de Fora foi um polo importante industrial no Brasil.

4)Qual é a principal crítica de Darcy Ribeiro à ideia de "democracia racial" de Gilberto Freyre? Como esse ponto se conecta com o novo romance?

Paulo Roberto Cannizzaro - Darcy defendia a importância da miscigenação racial do Brasil, com imigrantes. O Brasil tem historicamente um ciclo de embraquecimento da identidade do brasileiro, oriundo dos negros e escravos, e dos índios, e depois com a imigração de estrangeiros o país adquire uma série de novas características culturais. Darci chamava que essa miscigenação é responsável pela nova originalidade embora isso devesse promover uma miscigenação econômica capaz de eliminar as desigualdades raciais.
Freire não abordou essa realidade com tanta ênfase da perspectiva econômica, relevando muito mais a dimensão racial mesclada.

5)Em que período histórico seu romance foca para abordar a imigração italiana para o Brasil?

Paulo Roberto Cannizzaro - No último século. A imigração no Brasil se deu em várias épocas, de 1860 a 1960 imigraram cerca de 20 milhões de italianos, principalmente para os Estados Unidos, Brasil e Argentina. Esses ciclos se deram em vários momentos históricos, seja na primeira guerra, no colapso da crise americana, depois fortemente na segunda guerra mundial, e na sequência.

6)Qual foi a profissão exercida pela sua família que inspirou o seu novo romance ao emigrar para o Brasil? Conte-nos um pouco dessa história.

Sugestão de entrevista pingue-pongue, com Paulo Roberto Cannizzaro, autor do livro “Ainda há tempo Contemplando o Sol”, lançado pela portuguesa Ipê das Letras.

7)No seu livro, no contexto histórico o senhor informa que o fim do tráfico de escravos incentivou a imigração europeia para o Brasil. Está correto?

Paulo Roberto Cannizzaro - Muito, foi determinante, e principalmente pela melhor mão de obra nas plantações de café, no açúcar, e depois no processo de industrialização, no início do século, no trabalhismo de Getúlio, na indústria nacional com Juscelino. O Brasil não tinha mão-de-obra especializada.

8)Quem foi Bernardo Mascarenhas e qual foi sua contribuição para a cidade de Juiz de Fora?

Paulo Roberto Cannizzaro - Um visionário empresário que monta uma indústria têxtil em Juiz de Fora, e uma usina de energia que alimenta o estado de Minas, a energia para as indústrias, é a primeira usina elétrica na América Latina.

9)Como o romance conecta a história de amor entre um negro e uma mulher branca com a imigração e a industrialização no Brasil?

Paulo Roberto Cannizzaro - Estão vinculados uma história de um negro que foge dos Estados Unidos pela chaga do preconceito de uma família americana branca, da grande elite social, a necessidade do homem trabalhar, em emprego escasso, a perspectiva do Brasil ser um país que está empregando, e que acolhe imigrantes com maior facilidade.

 É possível dizer que o Brasil ainda é uma das nações mais acolhedores do mundo para imigrantes, e que nosso preconceito seja muito mais econômico do que racial, mesmo que se reconheça haver preconceitos, no entanto, muito menos acentuado como a sociedade americana, por exemplo;

10)O senhor cita que Juiz de Fora foi chamada de "a Manchester brasileira"? De alguma forma, esse fato influencia a narrativa de seu romance? E a Rua Halfeld no contexto do romance?

Paulo Roberto Cannizzaro - Em certo momento foi uma comunidade industrial, é isso é tipicamente uma semelhança com vocações inglesas, onde tudo começa, especificamente da indústria têxtil. Na Rua Halfeld, passei minha infância, e onde iniciei minha paixão pelo cinema, pelo teatro, pelos livros. Uma lembrança presente no novo romance.