Editado pela portuguesa Astrolábio Edições, “Onde o céu toca o coração” está sendo traduzido em espanhol, e já circula nas principais livrarias do Brasil, Portugal e África.
Na narrativa, experiências religiosas são escritas de forma profunda em torno dos personagens que simbolizam os diversos credos, peregrinos que se encontram em um hotel numa cidade fictícia, chamada de Lussuria (em italiano, Luxúria), onde debatem e expõem suas experiências em busca da própria espiritualidade.
O mergulho
Para escrever o livro, Cannizzaro mergulhou em estudar livros como a Bíblia Sagrada, a Torá (5 primeiros livros do livro sagrado da religião judaica) , o Alcorão (livro sagrado do Islã) , mas também se inspirou em dois livros considerados expoentes na literatura, que versam sobre a busca pela fé.
“Diria que dois livros foram decisivos nesse caminho de estímulos. Ler, entre outros, “O Peregrino”, de John Bunyan, e ainda o livro mais recente “O peregrino e o convertido”, da escritora Hervieu-Léger, que trata da religião em movimento foi decisivo. O primeiro com a ideia de uma viagem do Cristão à Cidade Celestial é um livro alegórico cristão de 1678. É considerado uma das obras mais significativas relacionadas às práticas teológicas e religiosas na literatura inglesa. É um livro imperdível”.
O outro, da escritora Léger introduz sua tese com uma parábola: aponta para os Pirineus, nos vales de Andorra, ao demonstrar a centralidade da igreja para a comunidade em tempos passados, contrastando com a paisagem contemporânea, onde predominam as lojas e o turismo de pessoas ávidas em consumir.
“Esta parábola exemplifica o dilema da sociologia contemporânea, que precisa definir se a evidência da religião em seu pleno sentido decreta sua morte ou seu desaparecimento, enquanto, por outro lado, precisa encontrar um lugar para encaixar as manifestações atuais da crença e práticas rituais”, explica o autor.
Desafio significativo
Considerando que Paulo Roberto Cannizzaro tem em sua biografia livros de poesias, temas contemporâneos como história, cinema, política, economia, livros técnicos na área que exerce sua atividade profissional como consultor empresarial, escrever sobre a fé como ele mesmo relata foi um desafio significativo e que mudou sua melhor versão e vivências sobre o tema.
“Escrever este livro foi entender todos os movimentos da religião contemporânea, compreendendo que a fé nada tem de conexão obrigatória com a religião, considerando que na modernidade esses conceitos são diversos e muito próprios. A fé não se confina mais nas religiões, por mais respeitável que eventualmente cada uma delas seja”, pontua o escritor.
O Nascimento do Projeto
Cannizzaro reflete que, em um momento de enorme maturidade emocional de sua vida, o desafio de escrever o novo romance, sem ter o domínio temático, surgiu como uma “voz interior".
“Essa voz falou comigo, que era preciso ultrapassar os limites de tudo o que eu já tinha escrito. Era preciso desvendar a legitimidade da minha e da fé alheia, porque toda fé, na alma de cada homem é legítima, talvez porque seja a melhor conexão com a sua própria espiritualidade, com o divino, com o sagrado, ou qualquer outra forma de crença”, expõe.
Ele lembra que, em tempos idos, o homem antigo, sobretudo no Egito, tinha uma conexão enorme com a fé e com a submissão aos seus deuses, e esta talvez seja a maior busca que sempre perseguirá a experiência humana.
“De alguma maneira fui tocado por esta necessidade de uma conexão com um plano além do meu mundo físico e racional, por isso a experiência de ter escrito esse livro representa uma enorme conexão com alguma coisa que me ultrapassa”.
Cannizzaro reflete também sobre suas descobertas acerca de um tema tão enviesado pelo mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, cheio de coincidências e fluxos históricos similares.
“O curioso foi descobrir que todos eles partem do mesmo tronco de gênese, são religiões abraâmicas, que num momento histórico encontram caminhos distintos, mesmo que também guardem enormes afinidades e coincidências”.
“Nunca imaginei, por exemplo, ler e estudar o Alcorão e me maravilhar com tantas revelações. Há alguns anos o preconceito e minha ignorância não permitiria, isso seria impensável. A imersão para dentro das igrejas que visitei pessoalmente, principalmente as mesquitas em São Paulo, conversar com hindus, com judeus, com protestantes, e evangélicos, foi também outra verdadeira peregrinação, isso fez de mim uma melhor pessoa e a minha compreensão sobre o significado da fé”.
Enredo não é religioso. É reflexivo
A ideia do livro partiu de um fato histórico ocorrido após a segunda guerra mundial. Naquela época, o partido comunista idealizou um construto social em que uma cidade seria idealizada por outros valores atuais, mas seria uma cidade “Sem Deus”, Nowa Huta, e ela existe ainda.
O fato remoto é que a Igreja Católica na Polônia foi brutalmente reprimida pelos nazistas durante a ocupação alemã da Polônia (1939-1945). A repressão da Igreja foi mais intensa em áreas da Polônia anexadas pela Alemanha Nazista, onde as igrejas eram sistematicamente fechadas e a maioria dos sacerdotes foram mortos, presos ou deportados.
Em toda a Polônia, milhares de sacerdotes morreram em prisões e campos de concentração; milhares de mosteiros e igrejas foram confiscados, fechados ou destruídos; e inestimáveis obras de arte sacra e objetos sagrados foram perdidos para sempre. Os líderes da igreja eram alvos, como parte de um esforço maior para destruir a cultura polonesa. Os planos de Hitler germanizar o leste europeu não tinham lugar para as Igrejas Católicas.
“A partir disso é que nasce meu romance. Idealizei uma cidade atual imaginária chamada Lussuria (Luxuria em italiano), em que também é proibido missas, rezar, construir templos, cultuar uma cruz, e nesta cidade vários peregrinos de vários credos se encontram para falar de Jesus Cristo, de Maomé, de fé, cada um com sua crença própria, cada um indo para um lugar, seja Jerusalém ou mesmo Meca, e eles se encontram nessa cidade em um hotel e conversam sobre suas experiências religiosas”.
Importante contexto na narrativa descrita no romance é que a cidade fictícia, Lussuria, existe de forma tão radical, de alguma maneira, nos tempos atuais.
“É uma ironia sobre a própria modernidade, complexa e contraditória, a mesma dos valores líquidos de Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo também polonês.Nesta cidade, os peregrinos serão julgados porque acreditam em sua fé e no seu profeta, e serão condenados ao desterro, ao degredo, a expulsão”, explica o autor.
O novo romance de Paulo Roberto Cannizzaro é acima de tudo uma reflexão sobre o tema da tolerância religiosa, que continua sendo recorrente das disputas humanas, mesmo que cada um tenha o direito legítimo de professar suas crenças, em tempos de tanta animosidade, competência e intolerância.
“Apresentei versões diversas para trechos de leituras dos livros sagrados, mas elas são exatas? Seguramente que não. São as melhores interpretações de cada passagem? Também não, mas encontrei uma jóia preciosa no final do livro: Melhorei a compreensão e melhor versão da minha fé pessoal, conheci ainda de maneira autêntica os sentimentos das buscas humanas, e isso é muito, pelo menos para mim”, conclui Cannizzaro.
Serviço:
Onde o céu toca o coração
Onde o céu toca o coração
Autor: Paulo Roberto Cannizzaro
Editora: Astrolábio Edições