Com o fim oficial da pandemia da Covid-19, as atenções da ASCO (Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica), maior congresso de oncologia do mundo, que aconteceu em Chicago entre os dias 2 e 6 de junho, reforçou os debates que vem pautando o evento desde o 2020, em pleno auge da crise gerada pela Covid-19: a equidade no acesso de pesquisas, tratamentos, terapias e drogas no combate ao câncer ao redor do planeta. Diante dos aprendizados da pandemia para todo o ecossistema de saúde, os sempre aguardados avanços em termos de terapias, engenharia genética e tratamentos agora vêm também acompanhados de uma visão sobre como fazer com que essas inovações cheguem de forma massiva para todos os pacientes, independente de barreiras sociais, econômicas e territoriais.
É o que destaca o oncologista Carlos Gil Ferreira, diretor médico do Grupo Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas: "A Covid-19 não é mais a pauta principal, mas ela foi um grande gatilho na medicina para mostrar como a desigualdade no acesso aos sistemas de saúde, remédios e vacinas ficaram evidentes globalmente. E a ASCO, assim como nas últimas duas edições, segue focando muito nesses temas. Precisamos inovar, claro, mas como podemos levar esses avanços para toda a população com câncer? A oncologia é muito cara, as pesquisas demandam financiamentos altos, então, acabam ficando nas mãos de poucas potências”, destaca.
Neste cenário, enfatiza o médico, o Brasil, como país em desenvolvimento, pode e deve ser um líder nesse debate. “Nós vivemos exatamente esse dilema: temos um grande abismo social, em que uma parte da população com o que há de melhor e uma outra que, apesar de contemplada pelo sistema público - o que é muito diferente de outros países - ainda não tem acesso ao que há de mais inovador no combate à doença", completa.
Não à toa, por intermédio da participação de especialistas provenientes de diferentes nacionalidades e realidades, boa parte dos painéis da Asco trouxe aspectos relacionados à sustentabilidade do setor, com especial atenção às barreiras sicioeconômicas. Segundo Carlos Gil, agentes da oncologia, tanto do setor público como do setor privado e da saúde suplementar, entendem que investir em pesquisa clínica é um mecanismo de inclusão potente, especialmente em países de renda baixa ou renda média, como é o caso do Brasil.
“É importante observar que os diferentes players do ecossistema de saúde presentes na Asco se mostraram preocupados em debater amplamente o papel desses estudos científicos como ferramenta essencial para a equidade no acesso de pacientes a tratamentos de ponta no combate ao câncer”, enfatiza Carlos Gil.
Foco é no paciente
A Asco trouxe como tema do congresso deste ano a "Parceria com os pacientes: o pilar do tratamento e pesquisa do câncer". Segundo Carlos Gil, essa é uma tendência de foco no que diz respeito aos protocolos dentro do atendimento multidisciplinar. "É uma evolução na forma como lidamos com quem sofre com a doença. Cada vez mais os pacientes querem estar envolvidos ou querem ser centrais na decisão terapêutica", afirma.
O movimento com foco no protagonismo do paciente surgiu das associações de pacientes das ONGs nos Estados Unidos e Europa e vem se espalhando ao redor do mundo. E essa relevância da parceria com os médicos para a escolha dos melhores tratamentos e da melhor jornada deu o tom de boa parte dos painéis neste ano.
“É preciso reconhecer a importância dessa troca, fundamental inclusive para estudos clínicos. Os oncologistas também cada vez mais precisam dessas informações fornecidas pelos seus pacientes, bem como outros stakeholders, como a indústria farmacêutica, e sobretudo as agências regulatórias. Atualmente, há inclusive critérios dos estudos clínicos, os chamados patient reported outcomes, que são as informações que os pacientes trazem e que influenciam na leitura por parte da comunidade científica do resultado de um tratamento e por parte das autoridades regulatórias, às vezes no registro ou não de um determinado medicamento", explica.
A ASCO coloca essa nova visão como tema principal do congresso e é fundamental, pois elas já acontecem e estão impactando no tratamento. "Temos desenvolvido ferramentas cada vez mais avançadas para que possamos fazer do câncer uma doença totalmente tratável e aumentar as taxas de cura dos pacientes. A diferença, que já vem acontecendo nos últimos anos e que esteve mais evidente nessa ASCO, é o programa focando, cada vez mais, em aspectos de equidade: como que a gente diminui a disparidade no acesso para que possamos de fato melhorar as perspectivas sobre a doença", enfatiza o diretor médico do Grupo Oncoclínicas.
Novas alternativas terapêuticas no horizonte
É claro que a Asco 2023 não deixou de trazer grandes avanços no diagnóstico e tratamento dos diversos tipos de tumores, além de boas perspectivas relacionadas a descobertas e pesquisas em diferentes etapas de desenvolvimento. Em termos de terapêutica, a imunoterapia, a terapia alvo e as novas estratégias, a partir dos chamados anticorpos biespecíficos, foram os grandes destaques.
Outra frente que recebeu holofotes no evento foi o uso das células CAR-T, que continuam a empolgar pelos resultados positivos para tumores hematológicos, assim como os diagnósticos por medicina de precisão. "Cinco temas principais permearam a programação deste ano: imunoterapia em diversos tipos de tumor, formas de diagnóstico de medicina de precisão e de terapia alvo, disparidade e equidade. Além disso, algumas novidades no uso de terapias celular e novas estratégias baseadas em rádio ligantes e anticorpos biespecíficos, que são ferramentas que, no futuro, iremos usar cada vez mais no tratamento oncológico, mereceram enfoque nas diferentes salas do evento", enfatiza Carlos Gil.