A partir de uma rede múltipla de olhares e poéticas, e de manifestações artísticas dos 27 estados brasileiros, o corpo curatorial que representa o Brasil na PQ'23 selecionou 30 artistas das sonoridades da cena, de diferentes categorias profissionais, lugares e expressões, para a criação coletiva dos elementos centrais da exposição que traz o tema: Encruzilhadas: acreditamos nas esquinas.
Para a curadoria o principal objetivo foi o de “ressaltar as especificidades das realidades artísticas de cada região do Brasil, compreendendo que a grande extensão territorial do nosso país não nos traz apenas uma diversidade plástica, de fazeres e de culturas, mas também de dinâmicas sociais e políticas que influenciam diretamente as práticas profissionais. Em toda a sua construção — desde a escuta do fazer cênico no país até a expressão da ideia por meio do som — o projeto reconhece o quão raro é abrir frestas nas grandes barreiras de exclusão.”
Dentro desse contexto, Anderson Leite é o artista selecionado para representar o estado de Pernambuco, a partir do trabalho desenvolvido no espetáculo Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré do Grupo São Gens de Teatro. Montagem que é fruto da pesquisa POÉTICà MARGEM que o mesmo nutre há 13 anos com o grupo.
A obra “Casulos à Margem” é fruto do intercâmbio entre Anderson Leite (PE), Zahy Tentehar (RJ), Écio Rogério Cunha (AC) e Érico Ferry (PI) faz referência aos próprios fazedores, criando uma atmosfera para o público sobre histórias, sabores, cheiros e sonoridades. Casulo é um local de moradia, proteção, constituindo a obra elementos como rede, blocos de concretos, sinos e búzios, este último sendo muito comumente utilizado aqui no Nordeste para ser colocado no ouvido e ouvir o mar.
Desta forma, os materiais são simbólicos de cada estado criando uma relação imagética que se entrecruza e evoca as encruzilhadas, deixando em esquinas oferendas, meio de partilha e troca. Acreditar nas esquinas, é ver as potencialidades geradas deste encontro, deixando um pouco de nós, do Brasil em Praga, mas também comungando com tantas outras esquinas em que essa obra possa parar.
Para conferir a exposição na Quadrienal de Praga será nos dias 08 a 18 de Junho, na República Tcheca. Possibilitando através das obras criadas uma encruzilhada de culturas e pensamentos artísticos das urgências da cena Brasileira.
Sobre Anderson Leite:
É ator, dramaturgo, encenador, Iluminador, produtor cultural e professor. Mestrando em Artes da Cena (Escola Superior de Artes Célia Helena/ Itaú Cultural) e graduado em Letras pela FAFIRE. Trabalha há quinze anos com a linguagem das artes cênicas, tendo no seu currículo mais de quarenta peças. É arte-educador e pesquisador. Fundador do Grupo São Gens de Teatro que há Treze anos anos desenvolve seus trabalhos calcados na poética marginal. Suas dramaturgias e encenações têm como cerne de pesquisa as narrativas e códigos periférico-marginais na formação da cena.
Casulos à Margem
Na concretude de dias cinzas, adentramos em casulos e fizemos deles nosso meio de sobrevivência. Mesmo com a morte nos rondando, o coração ainda marca o compasso e nos provoca a criar paisagens, sabores, cheiros, sonoridades imbuídas de um extrato da mistura de nós.
O búzio, que antes era morada para o molusco, com o soprar da morte , se torna morada para a água do mar, pequenos peixes e algas marinhas, sendo que o homem o retira de seu território natural, o coloca em uma embarcação e o leva para terra firme, o búzio resiste em manter sua característica e se torna morada para o vento, esse búzio acaba sendo jogado à margem do rio, mas uma crianças lhe pega, o coloca em seu ouvido, fecha os olhos e o som do mar a atravessa. O búzio continua vivo, mesmo em território inóspito, ele se adapta, ele provoca, ele resiste. Nós somos o Búzio!
A escolha dos elementos que constituem a oferenda “Casulos à Margem” partem de nós, dos nossos lugares. A rede, elemento de repouso, de fazer pensar, de fazer ninar, de fazer descansar ou de fazer nada fazer ou instigar a fazer. Esse elemento no Acre se torna uma extensão do corpo. Os blocos de concretos, nos endossa a imposição que o Rio de Janeiro ou qualquer outra metrópole nos apresenta, através da crescente que suas paisagens cinzas fazem sobre os corpos orgânicos e de como para manter a sua organicidade é/foi/será necessário que esses corpos construam um sistema de adaptação para sobreviver. Os sinos, que podem soar com o caminhar do boi no Piauí, aqui te provocam a interferir em nossos casulos sonoros, mostrando que, assim como o boi que não se estagna pela ameaça do seu fim, essa oferenda é viva. E os búzios, muito utilizados no litoral de Pernambuco para artesanato ou simplesmente para ser colocado no ouvido e ouvir o mar, ele se desdobra em significado e função.
Ou seja, criamos uma rede de afetos, trocas, poéticas e encasulamos em dramaturgias sonoras oferendadas para quem for à Quadrienal de Praga (PQ´23) ou em outras Encruzilhadas que essa obra possa parar.
Anderson Leite.