terça-feira, 20 de dezembro de 2022

MC Louco e a redenção pelo amor ao funk

 

A época do Natal sempre traz à tona temas como esperança, renovação, resiliência e perseverança. Sem falar, é claro, no amor, que tem o poder de mover e mudar vidas. O artista pernambucano MC Louco, integrante do Projeto Invasão, é uma prova viva disso. Após tropeçar em graves problemas sociais que o levaram à cadeia, onde ficou seis anos privado de sua liberdade, o jovem - hoje com 26 anos - descobriu o caminho certo através do amor, não só pelo funk, mas por seus iguais; jovens periféricos que, como ele, podem ter um futuro muito diferente do que aquele pré-estabelecido pela falta de oportunidade.

Wanderson da SIlva Souza, o MC Louco, conheceu a música ainda criança. O menino, nascido em Olinda, Pernambuco, frequentava a igreja evangélica com a família, na 4ª etapa de Rio Doce, bairro periférico da cidade, e lá participava do coral infantil e, em seguida, do juvenil. No entanto, aos 14 anos, acabou se “desviando da crença” e encontrando o crime.

Ainda adolescente, com poucos recursos em casa, Wanderson se viu envolvido no mundo das drogas para suprir a carência material. “Comecei a me envolver com coisas erradas, entrei pro crime… Comecei a ganhar dinheiro, comprava roupa, corrente, ia para a balada, era o cara da situação mas, quando cheguei aos 18 anos, fui preso e perdi tudo de uma vez só”.

A cadeia apresentou para Wanderson uma realidade dura. Desnorteado, enfrentando o cárcere durante muito tempo em isolamento, o jovem desenvolveu alguns transtornos psíquicos. “Passei um ano e 10 meses sozinho em uma cela, tomando remédio controlado, apanhei bastante, tinha convulsões. A galera dizia: ‘Esse cara é louco’. Eu tava entregue ao sofrimento, conversava com a parede, chorava o tempo inteiro, um verdadeiro sofrimento eu passei lá dentro”, relembra.

MC Louco diz que, nos momentos de maior angústia, durante o cárcere - onde experimentou a solidão, a fome e violência -, a única coisa que o acalmava era a música. Na cela, ele entoava hinos evangélicos e também rimava. A voz potente e as rimas ferinas do jovem artista logo chamaram a atenção dos companheiros e ele foi estimulado a gravar um vídeo. “Não podia ter celular lá dentro, mas mesmo assim, as pessoas que estavam comigo, os parceiros me incentivaram, e eu fiz. O vídeo repercutiu, teve mais de 500 mil compartilhamentos, se eu tivesse na rua eu tinha ficado famoso”, diz.

Ali nasceu o MC Louco. A repercussão do vídeo, feito ainda que de forma proibida dentro de um presídio localizado na cidade de Igarassu (PE), o incentivou a manter-se na postura correta e confiante para cumprir sua pena e seguir em busca de seus sonhos. “Eu ficava enviando minhas músicas que nem um doido para os outros. Achando que alguém ia ver, arrumar um advogado e me tirar de lá”, conta o artista.

Ao terminar a sentença de seis anos encarcerado, o MC Louco foi com tudo atrás de seu objetivo de vencer através da música. O caminho não foi fácil, ele vendeu água e pipoca em coletivos da Região Metropolitana do Recife, e também vendia raízes e legumes empurrando uma carroça sob o sol escaldante do Nordeste. Enquanto isso, tentava fazer contatos importantes e acabou conhecendo os empresários do Projeto Invasão: Queiroga e MC Anjo, que lhe estenderam as mãos e decidiram ajudá-lo na empreitada.

Hoje, o MC Louco é uma das pratas da casa do Invasão. O artista, que se orgulha em representar as favelas do Recife e Região Metropolitana, já consegue viver exclusivamente de sua música e tem criado como nunca. Só neste mês de dezembro, ele já lançou diversas pedradas como ‘Fim de Ano’; o set ‘Se não houver amanhã’ - com os companheiros de projeto, Vilão da Norte e Marck SA; e o set ’Coringas da Vida real’, produzida por Dan dos Beats, filho do lendário Mr. Catra.

Todo o sofrimento enfrentado pelo jovem MC de funk, hoje tem servido apenas como inspiração para que ele possa ser exemplo para outros jovens periféricos. Até porque como ele mesmo faz questão de dizer, o que o mais lhe impulsiona, ao contrário do que muitos possam pensar, é o amor. “Tudo que eu passei, que sofri, nada foi em vão. Já passei de morrer, e hoje tô aqui contando história, pra dizer que a música pode salvar vidas. Hoje eu vivo tranquilo sem ter medo de olhar pro lado, sou bem quisto onde eu chego, em qualquer quebrada, todo mundo sabe da minha história. Com ela quero mostrar que a favela tem sim uma porta de saída, tô aqui pra provar isso”.