Nove anos. Esse foi o tempo entre a produção e o sucesso do cartoon “O lado bom da vida” onde dois personagens estão cada um do lado de um ônibus: o alegre vê a paisagem e o triste vê as pedras de uma montanha.
Da criação em 2013 até a viralização mundial e os mais diversos usos do meme, Genildo Ronchi seguiu desenhando de tudo: sátiras políticas, a vida e o cotidiano capixaba - Ronchi é do Espírito Santo - e muitos cartoons sobre os personagens “feliz” e “triste”.
Genildo é cartunista, professor de Educação Artística e jornalista. A vocação para desenhar surgiu ainda na infância. Começou desenhando capas para trabalhos de colegas na escola, por alguns trocados.
Na faculdade, fazia cartazes para as festas e calouradas e após a formatura em Educação Artística, trabalhou como chargista no jornal A Gazeta, o maior do Espírito Santo e é Professor de Educação Artística em escolas públicas e privadas.
Em meio ao sucesso “memeal” nas redes sociais de todo o mundo, Ronchi concedeu uma entrevista ao nosso Blog, onde fala da sua história, da fama com o meme e da sua carreira.
Como surgiu a ideia do cartum que deu origem ao meme?
Posso dizer que a ideia é baseada em um lixão, ou seja, existia um terreno baldio no meu bairro, com muito acúmulo de lixo e todos os dias eu precisava passar por ali para ir até o ponto de ônibus e seguir para o trabalho. Aquilo era desagradável demais. Depois de um tempo incomodado fiquei repugnado com aquilo. Então pensei eu vou fazer esse trajeto olhando para o outro lado da rua, e assim fiz nas demais vezes. Anotei a ideia para um bom cartoon, era uma ideia original, olhar para o lado que não era feio. Em um fim de semana, no sábado, data de meu aniversário (24/08/2013) eu fiquei em casa para me dedicar ao processo de criação e lapidação da ideia. Resolvendo se seria um personagem iluminado com lado escuro ou se seriam dois, a composição do desenho, o tratamento de luz e sombra, a iconografia e o ambiente simbólico, semiologia e o regionalismo com possibilidades globais. Assim fiz a postagem no dia e imediatamente teve bastante interação, assim senti o potencial do cartoon, tempos depois percebi que já existia a vocação de compartilhamento.
Eu sempre cuidei de interagir quando eu via uma postagem do cartoon dizendo que era de minha autoria, isso permitia também a identificação minha como autor. Em 2014 o cartoon foi traduzido para o idioma inglês: "every single day you make a choice” então isso amplificou o avanço para o cenário mundial e, assim, ganhou novas fronteiras. Mas a força da imagem sempre possuiu liberdade de interpretação. Esse acompanhamento e a potencialidade da mensagem, que simboliza “eu ajudando a mim mesmo”, fez com que no dia 26 de novembro de 2021 fosse percebida uma onda de reinterpretação como memes aplicados à template, que é o cartoon original. Isso levou o jornal El País, da Espanha, a entrar em contato comigo pedindo uma entrevista, pois o cartoon havia virado meme e se espalhado em publicações por diversos países da europa e regiões dos Estados Unidos.
Eu desenho desde pequenino. Nasci na divisa entre São Mateus e Nova Venécia-ES, uma região de Mata Atlântica, vi a devastação das florestas, e a disseminação de serrarias e olarias, vizinhas de onde eu morava. Assim eu tinha muita argila e muita madeira para inventar coisas, carrinhos de rolimã, por exemplo. Já no ensino fundamental eu comecei a ganhar moedas para desenhar capas de trabalho. No ensino médio também eu fazia isso para ganhar com minha arte. Na Universidade eu comecei a fazer cartazes para festas na das galeras dos cursos de engenharia, por exemplo. Aí começou também encomendas para ilustração e infografia, até 1993 quando me formei e fui trabalhar no jornal, que passou a ser uma vitrine, então eu já estava acostumado com essa demanda de visibilidade. Sou formado em Educação Artística, Licenciatura Plena em Desenho e fiz Pós-graduação em Arte na Educação, sou professor Referência de Artes na Escola de Inovação de Vitória-ES. Trabalhei como jornalista, infografista/ilustrador no Jornal A Gazeta por 26 anos e simultaneamente sou professor de artes em escolas particulares e públicas, há 29 anos.
O que é preciso para ser um bom cartunista?
O principal é desenvolver o senso de responsabilidade sobre os temas abordados. Isso faz evitar ações indesejadas ou riscos de rechaço. Depois é preciso desenhar todo dia e toda hora, somente praticando o ato de ouvir e ver notícias e inteirar-se dos fatos é que sentimos o empoderamento da autoria. Sou do tempo das enciclopédias, não tinha internet, mas hoje possuímos até os lugares virtuais e outras realidades. O mais importante é perceber a verdade sob cada ideia, o outro lado do assunto mostrado por outras plataformas, mas que sempre é enterrado na abordagem. Sempre vai existir uma expectativa sobre a postagem, por vezes o medo de ser interpretado de outra maneira, mas se acontecer dialoga e, em último caso, deleta a postagem, mas só avançamos se for um hábito diário criar e postar. Ser coerente e abordar ideologias de modo amplo e desvinculado de preferências. Cada peça de charge é sofrida para ser criada, é como um filho!
A viralização levantou a bola para o mercado de NFTs, mas eu ainda estou analisando, e eu preferi lucrar com direitos de uso e criação de trabalhos surgidos com o aumento vertical das demandas com criação e produção de ilustrações e trabalhos gráficos. Estou desenvolvendo projetos e escrevendo os livros e produzindo ideias novas para serem lançadas.
Tenho poucos personagens fixados, sempre me dediquei a fazer por encomendas, devido ao meu trabalho de ilustrador e infografista. Sou um pouco diferente dos autores que lançam muitos livros, meus muitos desenhos é que habitam os livros e plataformas de diversos autores. Tenho os personagens Tuca e Vine, de tirinhas que abordam o capixabês e o universo capixaba de ser, presentes nas tirinhas da Revista Vila Capixaba, um gibi de minha autoria.