Quem escutar a música “Frevo Caboclo” vai sentir a imensidão de possibilidades que a música pernambucana é capaz de fazer, ao entrar pelos ouvidos e sacudir todo o corpo, com sua efervescência. Esta mistura musical, que coloca o Frevo e Maracatu Rural, dois dos importantes ritmos patrimônios culturais do Brasil, em um único acorde musical, é ideia do produtor e compositor Afonso Oliveira, com coautoria do músico e cantor Afonjah, ambos pernambucanos.
Assim como a sonoridade musical exalta a beleza dos patrimônios, a letra da música busca ser um manifesto às condições sub-humanas do trabalho laboral que vivem as mulheres e homens da Zona da Mata Norte. “Este projeto tem como proposta fazer reverência à luta das canavieiras e canavieiros da Zona da Mata Norte. Desde a época da escravidão, levantam-se cedo, antes do sol raiar, deixam suas famílias para trás, para enriquecer a classe dominante da monocultura. São eles, o doutor da Usina, como é chamado pelos trabalhadores, que exploram sua mão de obra, com serviço precarizado, e que não reverte essa riqueza nem para os que trabalham, nem para os municípios onde estão instaladas as usinas.” destaca Afonso Oliveira.
A gravação do clipe foi realizada no Distrito de Upatininga, Zona Rural da cidade de Aliança, na Zona da Mata Norte. O local, que abriga cerca de cinco mil famílias, é praticamente intocável pelo tempo. É lá que está a Orquestra 15 de novembro (Zezé Correia), formada por jovens negros, músicos, filhos de agricultores e cortadores de cana de açúcar, que também estão no projeto musical. Há, ainda, dentro do musical “Frevo Caboclo”, a participação especial do Maracatu Rural Estrela de Ouro de Aliança, que é Ponto de Cultura, e que traz toda a beleza e sonoridade do seu terno.
“A canção ficou perfeita nas vozes de Afonjah e Flaira Ferro. Para mim, duas gerações diferentes, mas que se encontram e mostram a força de suas trajetórias. Flaira, uma das vozes mais importantes do nosso Frevo, é uma artista da nova música. Já Afonjah é um dos ícones da música preta pernambucana”, crava Oliveira. Além da participação especial dos artistas, Afonso Oliveira, que já dividiu a direção com Marcelo Pedroso no filme Maracatu Atômico Kaosnavial (2012) e no clipe Rainha do Congo (2019), desta vez convidou o fotógrafo alemão-pernambucano, Hans von Manteuffel, para fazer a fotografia.
A música “Frevo Caboclo” pretende, também, ser um instrumento para conclamar mais atenção da sociedade e do poder público para valorização da classe artistas culturais do Maracatu Rural. “Observamos que, apesar das condições análogas a escravidão que as mulheres e homens cortadores de cana passam no dia a dia, ainda assim, no Carnaval, eles brincam e novamente são explorados. Porém, desta vez, o poder público é o responsável. Tiram, da mulher e do homem preto, o direito de remunerá-los com cachês que merecem. O caboclo de lança, por exemplo, símbolo do nosso carnaval, não é valorizado como trabalhador rural, nem como artista. É muito doloroso ter que assistir a tudo isso em pleno século XXI. Um Estado, que age com burguesia e pensa como os senhores dos engenhos dos séculos passados” conclui Afonso Oliveira.
O artista, Valdi Afonjah diz que a música "Frevo Caboclo" bebe nas fontes de suas origens identitárias e musicais. "O frevo e o passo são minha essência. E, estar nesta empreitada, me conecta a essa essência e aos meus ancestrais, que há muitos anos saíram da Mata Norte e Mata Sul e se encontraram em Recife. Tudo tem uma representação que aquece meu coração" conta, emocionado. Sobre a parceria musical com Flaira Ferro, ele diz que é uma simbiose cultural. "Flaira tem uma energia profunda e, ao mesmo tempo, uma leveza que encanta as pessoas e faz a música pulsar a todo momento e se transformar. É realmente uma explosão de alegria e cores. Adianto que o público com certeza vai sentir essa vibração" diz. Flaira Ferro destaca a importância de fazer parceria musical com Afonso Oliveira e Valdi Afonjah. "Foi maravilhoso participar dessa música. Afonso e Afonjah são pessoas muito engajadas com as questões das políticas públicas voltadas para cultura autoral de Pernambuco. Isso fortalece a cultura popular", enfatiza.
Letra - “Frevo Caboclo”
Quando Caboclo pegar a sombrinha
Canavial vai todo arrepiar
É vida quente não tem alforria
Maracatu Rural pra libertar
Nosso milagre é quase todo dia
Acordo vivo e morto eu vou voltar
É bem ligeiro o frevo tá fervendo
E o Carnaval vai logo passar
Cadê? Cadê?
Cadê Mateus, Cadê Catirina
Foi pra Angola, foi pra Zanzibar
Cadê? Cadê?
Foi pra Angola, foi pra Zanzibar
Se você for um dia a Upatininga
Vai entender o som que vem de lá
É tanta cana, Santana, caiana
É malunguinho pra todo lugar
Curica, Capa Bode, Revoltosa
Zezé Correia eu quero frevar
Deixa a enxada bem atrás da porta
Na quarta-feira cinza eu vou virar
Cadê? Cadê?
Cadê Mateus, Cadê Catirina
Foi pra Angola, foi pra Zanzibar
Cadê? Cadê?
Foi pra Angola, foi pra Zanzibar
Com lnformações do jornalista Salatiel Cicero