Eu já pensei.
Sempre gostei de imaginar a vida como uma equação matemática. Depois achava engraçado ter pensado a vida assim e ria bastante (sozinha) dessa façanha. Na verdade, eu gargalhava, pois minha ideia de pensar a vida matematicamente era para trazer mais “facilidade” pra ela!
Matemática é um bicho de sete cabeças pra muita gente, mas eu nunca a vi assim. Pensar a vida como uma equação era uma tentativa tola de torná-la mais exata!
Você pode pensar que não há relação entre a vida e a matemática. Eu sei que a vida é um conceito muito amplo e admite diversas definições. Talvez, justamente por isso, pensava na sua relação com a matemática.
Li uma vez um texto que comparava a vida com as quatro operações matemáticas. Achei fascinante. Era mais ou menos assim: “Na vida, você só aprende a multiplicar quando aprende a dividir, só consegue ganhar quando aprende a perder, só consegue receber quando aprende a se doar”.
Na escola, nos ensinam que “a matemática é a ciência que estuda, por método dedutivo, seres abstratos (números, figuras, funções) e as relações existentes entre eles”.
Minha filha de 9 anos explica matemática como “disciplina que trabalha com quatro operações (adição, subtração, multiplicação e divisão) para chegar a resultados lógicos”.
E a vida? Assim como na frase que li há alguns anos, ela também trabalha com quatro operações, mas que envolve um só resultado: o de aprender a viver!
Séculos atrás, Pitágoras já dizia: “Os números governam o mundo”. Essa afirmação nos faz perceber que a Matemática está presente nas mais diversas situações da nossa vida. Ao longo dos anos, o homem vem usando a Matemática como ferramenta para facilitar a organização e a estruturação de processos que vão desde o ato medíocre de contar ovelhas ao ato de mensurar o diâmetro do planeta Terra.
Na minha vida acadêmica, aprendi que, na Matemática, para que um argumento seja verdadeiro, ele deve apresentar um modelo matemático que o oriente. Esse argumento será defendido ou contestado por meio de axiomas (verdades absolutas), teoremas, hipóteses, teses e deduções. Bom, aqui ela começa a diferir da vida... pois cada pessoa ousa apresentar seu modelo (julgando sê-lo único e incontestável) e não há condições de chegarmos a uma verdade absoluta.
Há alguns meses, venho passando por uma doença que me levou a repensar a matemática da vida. Me fiz alguns questionamentos e usei de memória para respondê-los. Repasso as perguntas a você que me lê agora: até o presente momento, você contabiliza mais ganhos ou perdas em sua vida? Se sua vida fosse uma equação matemática, que resultado numérico você teria até agora? Um número positivo ou negativo?
Quais acontecimentos da sua vida levam você a pensar em um número positivo e quais fazem crer no negativo? Na matemática da vida, a gente escolhe se nossos números diários são positivos ou negativos. Já parou para pensar que todo dia temos a oportunidade de recomeçar? Todas as manhãs, ao abrirmos os olhos, escolhemos nossos números diários: ter mais um dia de vida que posso escolher viver com mais empatia, felicidade, respeito, etc.
Na matemática da minha vida, eu sempre ganhei pessoas! Como presentes. E sempre amei ver esses presentes juntos. Interagindo. Já viu o que ocorre quando juntamos presentes? Eles se multiplicam! Assim ocorre com as pessoas de minha vida quando as aglomero! São muitas histórias para ouvir, muitos ensinamentos para aprender. Chego a pensar que uma vida apenas não vai dar conta de TANTO.
Mas a matemática na minha vida também me surpreende. Nem sempre ela é exata.
Há alguns meses, a matemática da vida me apresentou um novo número. Recebi e abracei. Optei por não o potencializar.
Na matemática da minha vida, o diagnóstico de câncer é um número positivo. Alguns, certamente, me considerarão louca. A princípio, até eu me achei louca ao chegar nessa conclusão!
Vou tentar explicar...
Na matemática da minha vida, o câncer de mama veio para somar. Essa afirmação me deixa vulnerável ao questionamento: como você pode ganhar com o câncer de mama se ele te fez perder dois seios?
Amputei minhas mamas, mas ganhei TANTO MAIS.
Recuperei pessoas de meu passado que não tinha contato há anos, como minha fisioterapeuta, amiga dos tempos de faculdade. Ganhei uma mastologista para chamar de minha. Recebi mais amor, cuidado e respeito de meus familiares, amigos, alunos. A doença que me levou as mamas, trouxe-me um companheiro que é abrigo e força.
O câncer de mama também me trouxe cicatrizes que chamo, carinhosamente, de vitórias. Não as observo com raiva, vergonha ou tristeza. Elas são troféus de uma vida que vem sendo matematicamente bem equacionada e (humanamente) bem vivida.
O câncer de mama me traz dores físicas... Por vezes, eu choro! Nesses momentos, em que o cálculo parece que vai dar negativo, inexplicavelmente, me vem uma força imensa que me faz respirar e prosseguir acreditando que tudo dará certo. Andei lendo que essa força se chama FÉ. “A fé acompanha absoluta abstinência de dúvida”.
O câncer de mama me trouxe um olhar mais doce para a vida. Para alguns, este fato também pode ser impressionante: como uma doença cruel pode despertar docilidade? Chamo de ESPERANÇA. “A Esperança é uma crença emocional na possibilidade de resultados positivos relacionados com eventos e circunstância da vida pessoal”.
Aguçar a visão para o lado doce da vida, mesmo quando enfrentamos dor e medo, exige perseverança, ou seja, é preciso acreditar que algo é possível mesmo quando há indicações do contrário. Positivei um número que tinha tudo para ser negativo.
Descobrir e vivenciar um câncer no momento em que o mundo passa por uma pandemia poderia ser ainda mais negativo nessa minha matemática da vida com menos passeios, menos encontros, menos abraços...
Contudo, optei por enxergar mais brilho nos olhos dos que me cuidavam, ouvir mais amigos em ligações telefônicas mais demoradas, ler e enviar mais mensagens de Whatsapp amorosas, fazer mais facetimes descontraídos... e, assim, a matemática da vida de uma recém-mastectomizada vai se positivando diante de uma doença dolorosa.
O câncer de mama me fez consumir mais digitalmente. Me trouxe mais seguidores. Me levou a buscar mulheres semelhantes na dor de perder um pedaço importante do corpo.
Constatei que somos muitas.
Guerreiras que vivenciam o câncer de mama. Muitas histórias: em meio à perda do(s) seio(s), relatos de superação, dosados com lágrimas, sofrimento, luta e muita vontade de continuar somando nessa vida. Não como um mero número, mas como alguém que é grande e quer continuar escrevendo sua história.
O diagnóstico do câncer de mama me mostrou que a matemática da vida não é uma ciência exata e que as (mal traçadas) linhas dessa equação podem não ser retas, curvas ou mistas. Elas podem nem ter continuidade.
A mastectomia me mostrou que a matemática da vida é única de cada ser. Contudo, não podemos esquecer: nesse cálculo da vida, perder pode ser GANHAR! Afinal, na matemática da vida, os números pouco importam e a ordem numérica dos fatores não altera o resultado, pois o que realmente importa na vida é fazer diferença em todas as operações que realizarmos!
Thyana Galvão é arquiteta, professora universitária e sensível.