sexta-feira, 27 de novembro de 2020

#VcNoBlog Thyana Galvão

 

A professora da UFPE Thyana Galvão volta a participar do blog com suas crônicas maravilhosas sobre o cotidiano e hoje ela fala sobre a Dor e seus significados e ressignificados. Boa leitura!

Ps: Quer part
icipar? Mande e-mail para tparanhos@hotmail.com e converse comigo.

Sobre RESSIGNIFICAR e PROSSEGUIR!
Thyana Galvão

O câncer entrou em minha vida, de forma efetiva e contundente, em 3 de novembro de 1989. Tinha completado 15 anos. Sonhava com essa idade. Minha irmã teve uma comemoração dois anos antes ao completar 15 anos, com direito a vestido rodado e bolo com fitinhas e eu sonhava com aquilo. Mas meus 15 anos não me trouxeram festa! Inicialmente, encarei minha mãe estar com câncer de mama com muito medo: perdê-la era algo tão distante, mas que foi pensado na época. Não vou mentir! Aliás, perder a mãe não está nos planos de uma adolescente de 15 anos. mas a vida é frágil e Deus traça planos que não compreendemos (a princípio). Bom, como já havia dito, meus 15 anos não me trouxeram festa, mas me proporcionaram um crescimento ímpar. Ainda me lembro dos meus pensamentos à época e como me aproximei de Deus, pedindo forças para acompanhar minha mãe (no pré e pós-operatório), ajudar em casa (nas tarefas domésticas), ser corajosa e continuar a sorrir. Lembro muito que quis, a partir daquele momento, tomar as rédeas de minha vida. Minha mãe foi submetida a uma mastectomia unilateral. Naquele tempo, não tínhamos internet (Dr. Google, etc.) para pesquisarmos como seria o procedimento. Como ela voltaria da cirurgia, como seria sua recuperação, quais cuidados necessitaria, etc. Morávamos numa casa no Janga e eu lembro como minha mãe gostava de estender as roupas no varal para exercitar os braços após a realização da cirurgia, pois havia passado por um esvaziamento axilar. Eu passei a ir ao supermercado sozinha, com a lista de compras que minha mãe escrevia para fazer a feira da casa, passei a pegar transporte público, fui aprovada numa escola técnica federal, passei a enfrentar mais meus medos sem temer viver o presente: um dia de cada vez. Minha mãe tinha 38 anos, oito a menos que tenho hoje. Lembro quando falava para meus amigos o que minha mãe havia passado. Todos ficavam surpresos, colocavam todos lá de casa em correntes de oração e torciam pela plena recuperação dela. Com a Graça de Deus, minha mãe superou o câncer. Não apenas uma vez, mas três. Nesse espaço de tempo, o câncer ressurgiu em minha vida. Nem sempre com desfechos positivos: perdi minhas avós (paterna e materna), uma tia (materna) e duas amigas queridas. 

O câncer continua sombreando a minha vida... 

3 de novembro de 2020, 31 anos após esse tal de câncer se apresentar para mim pela primeira vez, ele surge EM MIM. Dizer que receber um diagnóstico de câncer não assusta, é mentira. Ler um exame com esse diagnóstico chega a paralisar. Para mim, não foi diferente! O filme de minha vida passou, mais uma vez, em minha cabeça. As memórias vieram tão vivas, como se tivesse, novamente, 15 anos. Mas eu cresci! Continuo sendo a filha, mas hoje sou mãe. As preocupações que eclodiram em minha mente foram outras. Pude entender mais minha mãe, nos reconectamos. Se o amor é capaz de conectar as pessoas, a dor consegue RECONECTÁ-LAS! 

O diagnóstico de câncer de mama é duro. Tal qual minha mãe, me submeterei a uma mastectomia, mas bilateral. As transformações no corpo que o câncer provoca são sofridas. Dar adeus aos meus seios não é algo tão simples, mas vejo que eles cumpriram seu papel. Amamentei minhas duas filhas e tantas outras crianças. Tive muito leite! Deus me permitiu alimentar muitos filhos (de leite) e a memória (dos meus seios jorrando leite) jamais será esquecida. Enquanto minha mãe já se despedia de um seio aos 38 anos, eu amamentava minha filha, também aos 38, e, hoje, vejo que essa página pode, sim, ser virada. Não será esquecida, estará em minha memória afetiva, das minhas filhas, de outras crianças que alimentei, de outras mães angustiadas que tiveram alimento (doado por mim) para darem aos seus filhos. 

Desde o dia 03/11/2020 tenho me adaptado a estar com câncer, buscando atribuir um novo significado para a vida. Isso tem me feito enxergar novas oportunidades. Além disso, percebi que tenho coragem para encarar muitas mudanças, enfrentando as dores de peito aberto e aprendendo com elas. Tenho encontrado novos caminhos para realizar meus sonhos e eles são muitos! 

Essa tomada de atitude me faz ver, diariamente, como é possível RESSIGNIFICAR uma dor. Sim, aquela dos meus 15 anos e que me revisitou aos 17, depois aos 19, 29, etc... a cada nova visita eu cresço e (me) transformo! E mais: consigo PROSSEGUIR a vida, simplesmente vivendo-a com o que ela pode me oferecer. 

O diagnóstico de câncer tem me permitido parar e sentir mais a vida, não apenas empurrá-la pra frente, mecanicamente. Meus Deus, como é maravilhoso poder RESPIRAR, sentir o ar entrando pelas narinas, EXPIRAR, jogar o ar pra fora, sentindo o peito vibrar por estar viva! 

O diagnóstico de câncer tem me permitido enxergar que a promoção da saúde deve ser prioridade em minha vida, com a prática de exercícios físicos acompanhada de uma alimentação mais saudável. O diagnóstico de câncer tem me permitido conhecer novas pessoas com dores diferentes das minhas, me possibilitando trabalhar atitudes de empatia, amor e perdão. 

O diagnóstico de câncer tem me permitido ME conhecer mais, ouvir mais minhas filhas, ficar mais próxima a elas. Sei bem a angústia de ter uma mãe com diagnóstico de câncer e posso compreender a dor delas nesse momento! 

É claro que o choro faz parte, mas até ele vem acompanhado de muita gratidão por tudo que o diagnóstico de câncer tem me permitido VIVER e SER!