Quando nós vamos aos pobres, sempre pensamos espontaneamente que levamos o Evangelho,mesmo quando temos a convicção de que são eles os primeiros destinatários da Boa-Nova, como parecem dizer os evangelhos.Acontece que, de repente, ficamos golpeados ao perceber que neles o Evangelho "se faz carne", a Palavra de Deus vem-nos em sua carne tão desfigurada. Eles são o julgamento vivo de Deus sobre a sociedade e, ao mesmo tempo, o anúncio, mesmo incipiente, de que Deus quer outra coisa para este mundo.
Quando nós vamos aos pobres, percebemos que eles são Deus ao dizer que nos chama e que necessita de nós para mudar esta sociedade. Em outras palavras, são os pobres que nos evangelizam, que evangelizam a Igreja. Foi sempre assim na história, são os pobres que nos chamam e mostram o que é essencial, e esse é o conteúdo mais central da Palavra de Deus. Jesus não disse que está falando e chamando-nos "no menor de seus irmãos"?
Alguns Pais da Igreja antiga diziam que "o tesouro da Igreja são os pobres". Sem eles ela se desvia de Jesus -- o Servo, nascido na estrebaria e morto na cruz -- e vira para a idolatria. Pode até ser uma religião de gente piedosa e de muita oração e de cânticos, mas será religião votada à adoração de ídolos, não ao Deus vivo que deseja e opera vida onde há ferida e morte. Sem os pobres não temos chance de ser fiéis a Jesus... por incrível que pareça, são eles em Cristo Jesus que nos apontam o caminho da salvação.
Quando nós vamos aos pobres, cumprimos o mandamento de Jesus: “ Vós sois o sal da terra....se o sal vier a ser insípido...para nada presta...” (Mt 5:13).Sem amor genuíno, sem uma fé inteligente, em fervor de espírito, sem pisadas pelas favelas da cidade, sem visitas aos presídios e hospitais, sem experimentar a vivência calorosa e lutadora dos pobres, nós não contagiamos ninguém, não torna interessante, nem atraente o nosso testemunho. Assim é o sal: enquanto mantém suas propriedades, agrega valor; porém, tornando-se insípido para nada presta, senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Somos levados, a concluir que a nossa vida só faz sentido, primeiramente, se estiver presente e atuante na sociedade.
Quando nós vamos aos pobres, entendemos que ao ler a Bíblia eles trazem consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vêm da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, daquilo que eles mesmo vivem hoje. Estabelece-se, assim, uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão aparente de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante à leitura que faziam as comunidades dos primeiros cristãos, os pobres nos ensinam e fazem uma descoberta: “ Se Deus este com aquele povo no passado, então Ele também estará conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!” (Ex2,24:3,7).Assim vamos precisar de todo mundo para ir nascendo em nós, imperceptivelmente, uma nova experiência de Deus e da vida. Como diria o Beto Guedes na canção “Sal da terra”, “... vamos precisar de todo mundo ,um mais um é sempre mais que dois, prá melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão...” Quando nós vamos aos pobres, repartirmos melhor o pão, deixamos nascer o amor, fluir o amor e viver o amor, o amor de Cristo que nos constrange e nos move para caminharmos juntos, fazendo discípulos e discípulas nas comunidade, nas ruas por onde passamos. “ porque vós, irmãos e irmãs, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor.”Gl5:13
Que Deus nos encoraje para sermos o Sal da terra !
Giselle Gomes - teóloga e coordenadora estadual da EIG-Pernambuco