A Lei Maria da Penha, o Código de Processo Penal e diversas outras leis poderão deixar de ser aplicadas corretamente, gerando impunidade. Essas são algumas das consequências do projeto de resolução 003/2020, de autoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que autoriza magistrados a receberem Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) confeccionados pelas Polícias Militar, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal. Prevista para ser deliberada no dia primeiro de junho, durante a pandemia do Covid-19, sem sequer ter sido debatida pelos órgãos de combate à criminalidade, a proposta pode causar “grave crise nas forças de segurança pública” e instabilidade jurídica, pois é contrária à Constituição Federal e à Constituição de Pernambuco. A mudança na autorização para elaboração do TCO já foi tentada em São Paulo, onde foi revogada pelo então secretário de segurança pública devido à ineficácia.
Ato privativo da Polícia Civil, a avaliação jurídica de um fato criminoso, decorrente de uma agressão física, por exemplo, pode ser classificada no seio da lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar, lesão corporal leve ou até como tentativa de homicídio, para isso exige-se conhecimento jurídico.
A ausência de formação jurídica e capacitação técnica pode ensejar em erros grosseiros que vão acarretar em impunidade ou até grave constrangimento aos cidadãos, alerta o presidente da Associação dos Delegados de Polícia de Pernambuco (Adeppe), Bruno Bezerra. “Se esse projeto de resolução for aprovado poderá causar a soltura de presos devido a decisões equivocadas. No lugar de um TCO, há casos que demandam a lavratura de auto de prisão em flagrante delito”, explica. Outro exemplo citado por ele é a distinção entre transporte ou guarda de drogas. “Em tese, a capitulação deste fato criminoso encontra-se descrita na lei 11.343/06, é possível que a conduta seja enquadrada no artigo 28 (finalidade de uso pessoal) ou no artigo 33 (tráfico de drogas). No primeiro caso, teremos uma infração de menor potencial ofensivo com a confecção de TCO e, na segunda hipótese, a lavratura de auto de prisão em flagrante delito, em decorrência da pena máxima ser superior a dois anos. A quem vai caber a tomada dessa decisão? Na maioria das ocorrências é impossível a tomada dessa decisão no local do fato, sendo necessário que aquele delito seja encaminhado ao delegado de polícia para decidir. Na prática teremos pessoas conduzidas a unidades militares para a confecção de procedimentos”, detalhou.
Cidadãos constrangidos e ineficácia comprovada
O presidente da Adeppe também informa que, caso a mudança seja aprovada, “os cidadãos poderão sofrer constrangimento ao serem conduzidos a quartéis para lavratura de procedimento de natureza criminal”. A ausência de conhecimento jurídico traz outro problema: o retrabalho para a Polícia Civil. A realização de diligências, quando os envolvidos não estão mais presentes, desacelera o andamento processual, o que acaba eliminando a “celeridade” anunciada pelos defensores da alteração.
No Estado de São Paulo, a Resolução 339/2003 permitiu à Polícia Militar elaborar termo circunstanciado de ocorrência policial em algumas localidades. Mas a medida foi revogada devido à falta de eficácia, circunstância reconhecida por meio da Resolução 233/2009. “Decorridos seis anos, essa regulamentação, de caráter nitidamente experimental, tímida e de reduzido alcance, não ensejou a sua ampliação, que seria imperiosa e há muito implantada, se o interesse público assim exigisse ao longo desse período”, justificou o então secretário de segurança pública e oficial da reserva da Polícia Militar, Antônio Ferreira Pinto. No documento, consta ainda que “desde a implantação dessa experiência, o relacionamento entre as instituições policiais foi afetado de forma sensível, com crescentes atritos, advindo posturas que prejudicam o bom andamento do serviço policial, em detrimento do interesse público.”
Retirada de pauta
Em defesa da segurança da sociedade, do interesse público e da harmonia entre as forças de segurança de Pernambuco, a Adeppe solicita ao TJPE a retirada de pauta do projeto de resolução 003/2020. Ou ao menos, que se dê a oportunidade de todos os órgãos de persecução criminal serem ouvidos e a realização de audiência pública para tanto.
Imprensa Adeppe