Há três semanas, dois acampamentos estavam na Praça Pérola Byington, no centro de São Paulo. Um deles, formado por católicos conservadores, que propunham "40 dias sem aborto". O hospital, de mesmo nome da praça, é referência para os casos de aborto legal (estupro, risco de vida da mãe e fetos sem cérebro).
No entanto, o grupo católico não estava apenas rezando. Eles estavam tentando impedir as mulheres de chegarem ao hospital. Em meio ao assédio, um segundo grupo também levantou acampamento e até o dia 03 de novembro, último dia das vigílias, o segundo acampamento buscou impedir que as pacientes do hospital fossem importunadas (Não apenas as que desejavam interromper as gestações, mas também vítimas de câncer, que também eram assediadas).
A Dani tomou a iniciativa de juntar pessoas e levantou acampamento. Além das pacientes do hospital, o grupo também ajudou pessoas em situação de rua, localizou um jovem desaparecido e mostrou ao Brasil o poder da empatia.
Em entrevista exclusiva ao Blog, a escritora e roteirista Dani conta a sua experiência.
1) como surgiu a ideia de fazer a vigília em frente ao hospital Pérola Byington?
Eu já sabia do grupo fundamentalista na porta do Pérola Byington, sabia que estava acontecendo assédio de pacientes, mas com tanta coisa acontecendo no Brasil, não tinha me ocorrido agir. Quando eu soube que eles atacaram uma moça vítima de estupro coletivo foi a gota d'água. Não havia como aceitar que isso acontecesse tão perto de casa. A contra-vigília começou daí.
2) Grupos católicos estavam lá para demover a ideia das mulheres se submeterem ao aborto, mas até que ponto, do que você observou, eles promoveram alguma ação cidadã ou foi só apenas o fato religioso?
Não houve qualquer ação cidadã, foi só reza e assédio. Eles não olharam por um segundo para fora da barraca. Não pensaram em um momento que o hospital tinha mulheres se tratando de câncer, crianças vítimas de estupro que não deveriam ser assediadas. Eles não pensaram em ninguém.
3) Como foi a reação dos agentes do Estado (Polícia e Hospital) em relação a vocês?
A grande maioria dos policiais não interferiu no que estávamos fazendo, inclusive nos apoiou quando relatávamos um distúrbio maior. Houve um mal entendido, porque todos os policiais falaram em uma autorização que o grupo fundamentalista teria da prefeitura, soubemos depois que a autorização nunca existiu.
4) A vigília acabou fazendo outras ações além de ser a voz das mulheres atendidas. O apoio às pessoas em situação de rua, o fato de terem encontrado um jovem desaparecido, etc. Que ações foram realizadas pelo grupo?
No sábado tivemos uma roda de conversa sobre feminismo, laicidade e aborto, plantamos um novo canteiro de flores e plantas na praça, fizemos uma vaquinha para comprar itens básicos para os moradores em situação de rua na praça. Estou divulgando a vaquinha da Casa Taiguara, uma das únicas da região que atende os moradores em situação de rua. Identifiquei um adolescente desaparecido, com problemas psicológicos, que tinha fugido de sua casa em Iguape. Ele estava morando na rua e consegui que sua família viesse buscá-lo. Por fim, uma jovem mulher trans, que também nos ajudou muito durante a vigília teve sua passagem para Belém do Pará paga. A única pessoa da família que a aceita é uma tia dessa cidade. Ela estava morando na rua – e a situação é ainda mais delicada para uma mulher trans. Dia 25 ela chega em Belém.
5) Terminada a Vigília, vocês não começaram a pensar em outras ações semelhantes?
O foco agora é conseguir uma legislação para evitar que esse tipo de manifestação aconteça em frente a hospitais e clínicas. Várias cidades da Europa já têm isso e esses grupos deixaram de existir por lá.
6)O que ficou de lição para você, depois desses dias de luta?
Que a gente tem que fazer o certo quando encontra algo muito errado. Que é preciso reagir. E que nós somos a maioria apesar de muita gente querer que a gente acredite no contrário.