Protestos contra a reforma da Previdência e outras medidas do polêmico governo Jair Bolsonaro não são usualmente associados a oportunidade de negócios. Uma exceção pode ser encontrada na Condor, empresa que domina o mercado nacional de armamentos não letais, onipresentes quando a situação engrossa nas ruas: granadas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha.
“É um dos pontos em que prevemos crescimento neste ano, que deverá ao todo ser na casa de dois dígitos sobre os números de 2018”, diz Luiz Monteiro, diretor de Relações Institucionais da empresa.
Segundo ele, a promoção de políticas para armar a população pelo governo Bolsonaro não afeta em nada seu negócio, que é o de vender produtos que não matem pessoas. “Podemos imaginar até a criação de um mercado intermediário civil para nosso produto. Não vejo uma cultura de armas do brasileiro, mas sim a vontade de ter o direito de tê-las, então por que não uma alternativa?”, disse, citando o spray de pimenta e o Spark, pistola de imobilização por descarga elétrica.
A Condor, com sede em Nova Iguaçu (RJ), é a única fabricante nacional desse tipo de produto e uma das dez existentes no mundo. Com uma competição tão fechada, tem virtual monopólio no Brasil, onde fornece para todas as polícias e para as Forças Armadas. “Nenhum estrangeiro quer bancar o custo Brasil e abrir fábrica aqui”, diz.
O grosso de sua produção, de 150 itens em catálogo, vai para o exterior. Como a empresa tem capital fechado, não existe balanço disponível, e nenhum número é divulgado. “Seria fatal, meus competidores lá fora saberiam onde estamos mirando”, afirma Monteiro, que apenas diz que bem mais de 50% das vendas ocorre para outros países, grande parte em áreas conturbadas como África e Oriente Médio.
“Empresa de defesa no Brasil precisa exportar, senão morre”, disse. Ele nega preconceitos: a empresa estuda atentamente a todos os embargos de fornecimento de armamentos para países sob sanções internacionais. “Invariavelmente há a exceção para a venda de armas não letais, e aí nós entramos."
Assim, a Condor enfrenta inevitável má publicidade toda vez que seus produtos aparecem em atos repressivos mundo afora, da Venezuela à África. Monteiro dá de ombros, dizendo que o que ele vende, se bem aplicado, evita mortes por regimes opressivos. “Quando começou a Primavera Árabe, a Tunísia foi à França e aos EUA atrás de gás lacrimogêneo. Recebeu um não deles, alegando motivos políticos. Nós fornecemos”, disse, sobre os eventos iniciados no país norte-africano no fim de 2010, que se espalharam por todo o Oriente Médio.
Em resumo, seu ponto de venda é que é melhor fornecer armas que não matam do que o contrário ou, pior, não fazer nada.
É uma noção contraintuitiva, admite o diretor. “Dizem que o Estado tem o monopólio da violência. Errado, ele tem o monopólio da força. Quando abusa dela, está sendo violento, ilegal. Nosso papel é tentar mostrar que é possível ter proporcionalidade em todo confronto.”
Ele admite, contudo, que o discurso não encontra exatamente eco nas ações policiais, como se viu durante os protestos de junho de 2013. “Por isso precisamos investir muito em treinamento”, afirmou ele no estande da empresa na LAAD, a maior feira de defesa e segurança da América Latina, que ocorre no Rio. A Condor tem um centro de treinamento, mas não possui convênios específicos com ONGs ou universidades.
“É difícil convencer as pessoas, mas o fato é que segurança é política pública que vem antes da educação e da saúde. Sem a segurança, você não permite o acesso do cidadão às outras duas.”
Folha SP - Repórter Igor Gielow