A cidade de Quaraí, com pouco mais de 23 mil habitantes, a 600 km de Porto Alegre, lançou uma campanha agressiva de planejamento familiar. "Só tenha os filhos que puder criar", diz o texto exposto em outdoors e nas redes sociais.
"Não tem condições emocionais, pessoais e econômicas? Pense bem antes de ter filhos!", conclui a peça publicitária, que traz ainda a imagem de um garoto pensativo, com uma expressão triste no rosto.
De acordo com a prefeitura, a campanha teve início em novembro do ano passado, com a intenção de gerar um debate acerca do planejamento familiar. A intenção, segundo a Secretaria de Comunicação Social, foi estimular o uso de preservativos, que são distribuídos gratuitamente à população.
Houve repercussão tanto positiva quanto negativa nas redes sociais. Para a prefeitura, a repercussão negativa ocorre quando a imagem do outdoor é analisada dissociada do conjunto da campanha. As críticas, no entanto, vão além.
"Talvez fosse mais importante mudar, por exemplo, a nossa Lei do Planejamento Familiar. Por essa legislação, uma pessoa que deseje se esterilizar voluntariamente deve esperar até os 25 anos ou ter dois filhos, além de se exigir consentimento do cônjuge", diz a advogada Marianna Chaves, presidente da Comissão de Biodireito e Bioética do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito da Família).
Segundo ela, as pessoas que não desejam ter filhos "encontram muitos problemas" no Brasil: "faltam anticoncepcionais, faltam contraceptivos de emergência e, mais do que tudo, falta autonomia no âmbito dos direitos reprodutivos".
"É muito conveniente para um ente público vir dizer aos cidadãos que só tenham filhos se puderem criar, quando o Estado falha na sua obrigação de oferecer o mínimo existencial às pessoas, incluindo o seu direito à saúde reprodutiva."
A secretária de Saúde de Quaraí, Fabiana Saldanha, diz o objetivo da campanha foi alcançado. “Aqui é uma cidade muito pequena e quase 100% é atendida pelo SUS. Queríamos causar uma provocação nas pessoas porque tudo o que acontece sem planejamento acaba estourando no poder público. E, realmente, a gente conseguiu”, afirma.
"Não se trata de quem tem menos [dinheiro] ter menos filhos, mas de as pessoas pensarem se querem mesmo ter filhos. Porque não existem ex-mães e ex-pais.”
O presidente do Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul), Fernando Matos, avaliou como positiva a campanha de Quaraí.
"A campanha não fere nenhum preceito ético. O planejamento familiar é fundamental. Não temos nada contra ela. Por outro lado, é importante discutir se o Estado fornece boa assistência médica, ginecológica, urológica, fornecer métodos anticoncepcionais adequados."
Buzzfeed Brasil - Tatiana Farah