terça-feira, 17 de abril de 2018

#VcNoBlog Inácio França saúda Mestre Afonso


O jornalista Inácio França visitou uma amiga e comadre no bairro de Águas Compridas, Cida Nogueira. Ela tinha como mentor espiritual Mestre Afonso (na foto ao lado), falecido no último final de semana. E mostrou a sua preocupação e tristeza em ver que na mídia local, Mestre Afonso era apenas citado como mestre do maracatu de baque virado Leão Coroado.  Mas o Mestre Afonso era bem mais do que uma figura da nossa cultura. Era uma liderança no Candomblé, religião tão perseguida ao longo dos séculos, e ainda mais agora, em tempos complicados.

Inácio fez esse relato em seu Facebook e me autorizou a reproduzir aqui:

Já que estava em Campo Grande, fui até a casa da comadre Cida Nogueira ver como ela estava depois depois da morte do seu amigo e mentor espiritual Mestre Afonso.

Ela quem abriu o portão. Chorosa, vestida de branco e amarelo em honra de Oxum. Os detalhes vieram antes de qualquer pergunta:

- Ele estava tão feliz. Morreu no toque para o terceiro orixá (Odé, salvo engano)...

Enquanto a carne de sol perigava queimar na frigideira sobre o fogo alto, sentamos na sala. Jarbão saiu do banheiro evitou a perda do almoço e juntou-se a nós disposto a mandar a tristeza embora:

- Ele morreu como queria, no meio da festa, ao som do batuque e sem sofrimento.

- É mesmo, o enterro foi outra festa das grandes - bateu Cida, já sorrindo. 

No meio do papo, percebemos a imensa carga de preconceito nas matérias sobre a morte de Mestre Afonso, descrito pela mídia tradicional local como 'mestre do maracatu mais antigo", "mestre do leão coroado" etc. 

Ele era mestre do maracatu, sim. Não há erro nisso. Mas não era só isso. 

Mestre Afonso era respeitado e amado na paupérrima Águas Compridas por ser babalorixá, pai-de-santo e guia espiritual de milhares de pessoas. Mestre era importante para a cultura pernambucana? Era. Mas isso foi um desdobramento para o papel que exercia como referência para o candomblé nagô em Pernambuco e no Brasil.

No final de semana em que morreu, Afonso acordou cedo para colher ervas na mata do Passarinho e passou quase 48 horas sem dormir, preparando a cerimônia do bori, na sexta-feira, e o toque do domingo. Duas festas do candomblé. 

As manchetes, redigidas por brancos cristãos para um público de leitores de classe média, majoritariamente branca, cristã e higienista, não contaram toda a verdade.

Domingo morreu uma das mais importantes figuras do candomblé. E que também era mestre de maracatu, esse ritmo aceito como "carnavalesco" aqui nos bairros em que a água chega todos os dias e que a mídia se esforça para "limpar" de significados religiosos.

Antes de sair, Cida pediu "escreva sobre isso". Está feito. Eu também fiz um pedido: quero que ela jogue búzios para mim. O jogo de búzios da comadre foram consagrados por Mestre Afonso pouco antes de sua morte.