terça-feira, 17 de abril de 2018

Por unanimidade, STF transforma Aécio Neves em réu

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, nesta terça-feira, denúncia contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) por corrupção passiva e obstrução da Justiça. O parlamentar agora é réu em ação penal. Ele é acusado de receber propina de R$ 2 milhões da JBS e também de tentar atrapalhar as investigações da Lava-Jato. A decisão foi unânime no caso de corrupção passiva. No crime de obstrução, quatro dos cinco ministros foram favoráveis ao recebimento da denúncia.
— Há transcrições de conversas telefônicas das quais se extrai que estaria tentando influenciar na escolha de delegados da Polícia Federal para conduzir inquéritos alusivos à Operação Lava-Jato, buscando assegurar a impunidade de autoridades políticas investigadas. Surgem sinais da prática criminosa — disse o relator, Marco Aurélio.

O ministro Luís Roberto Barroso, primeiro a votar depois do relator, também foi favorável ao recebimento da denúncia. Ele destacou que a ação controlada da Polícia Federal filmou os repasses de dinheiro.

— Os indícios de corrupção são mais sólidos do que em relação à obstrução. Mas também há indícios suficientes — disse Barroso. — No mundo dos negócios lícitos, o pagamento de R$ 2 milhões em quatro parcelas de R$ 500 mil se faz com transferência bancária ou com cheque. Nos dias de hoje ninguém sai por aí com malas de dinheiro, a não que haja alguma coisa errada — afirmou.

Ele voltou a defender a suspensão de Aécio do mandato de senador, como chegou a ser feito no ano passado, mas não votou nesse sentido.

— Não vou encaminhar nesse sentido, porque tendo feito isso anteriormente, o plenário entendeu que a matéria deveria ser remetida ao Senado. E o Senado "cassou" a decisão da Turma. Como não há nenhum fato novo, em respeito à separação de poderes, não estou encaminhando nesse sentido — afirmou Barroso.

Também votaram na sessão desta terça-feira os ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Alexandre de Moraes.

Apenas Moraes votou contra o recebimento da denúncia quanto ao crime de obstrução da justiça. Para ele, essa prática só é configurada quando um investigado tenta atrapalhar investigações sobre crime organizado. E Aécio não foi denunciado por participação em organização criminosa.

— Em relação à acusação de corrupção passiva, entendo que o atual momento de recebimento da denúncia estão presentes os requisitos necessários. O conjunto probatório neste momento é suficiente para que seja recebida a denúncia — disse Moraes.

A denúncia da PGR apontou que Aécio tentou atrapalhar a Lava-Jato ao tentar selecionar os delegados da Polícia Federal (PF) que tratam da operação e ao pressionar pela troca do ex-ministro da Justiça Osmar Serraglio, a quem a corporação estava subordinada. A PGR apontou ainda outra frente em que Aécio teria tentado atrapalhar a Lava-Jato: projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Ele teria articulado a anistia do crime de caixa dois, e a aprovação de projeto que trata do abuso de autoridade, como forma de constranger Judiciário e Ministério Público.

Marco Aurélio aceitou a denúncia quanto à pressão sobre PF, mas rejeitou quanto à atuação de Aécio no Senado. Segundo ele, isso seria criminalizar a atividade parlamentar. Mas houve maioria, com os votos de Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, para aceitar integralmente a denúncia.

Em nota, Aécio voltou a dizer que não cometeu crime. Também afirmou receber com serenidade a decisão da Primeira Turma e que está "confiante de que, agora, haja espaço para a apresentação e avaliação das provas da defesa". Ele voltou a dizer que houve uma armadilha feita por "criminosos confessos", ou seja, os delatores da JBS, em conluio com integrantes do Ministério Público. Atacou ainda a validade das provas obtidas e defendeu a não criminalização da atividade parlamentar.

"Não cometi crime algum. Minha prioridade será apresentar à Justiça todos os fatos que demonstram a absoluta correção dos meus atos e de meus familiares. Não tenho dúvida de que isso será demonstrado. A verdade há de prevalecer", diz trecho da nota, acrescentando: "Não esmorecerei enquanto não provar minha inocência. Vou fazê-lo em respeito à minha vida pública, à minha família e aos milhares de brasileiros, e especialmente mineiros, que confiaram em mim durante 32 anos de mandatos consecutivos.”

No início do julgamento, os ministros rejeitaram pedidos preliminares da defesa. Os advogados queriam, por exemplo, invalidar as provas obtidas com a delação da JBS, o que foi rejeitado. Também ficou decidido que o processo continuará na Primeira Turma, composta por cinco ministros e tida como dura em matéria penal, não sendo remetido para o plenário da corte, integrada por todos os 11 ministros do STF.

Além disso, o processo não será dividido para remeter para a primeira instância a parte da investigação que diz respeito a quem não tem foro privilegiado. Assim, todo o processo permanece na corte.


— O fato de ser senador da República, por si só, não impede que ele peça emprestado o dinheiro — declarou Toron.

Em nome do Ministério Público Federal (MPF), o subprocurador-geral da República Carlos Alberto Carvalho de Vilhena Coelho usou a maior parte do tempo a que tem direito para defender a validade das provas no inquérito. Segundo ele, como há "farto material comprobatório" em razão de uma ação controlada da PF que filmou parte dos repasses, a defesa preferiu pedir a nulidade das provas, em vez de rebater as acusações em si.

— É importante frisar que a partir da segunda entrega de valores, ou seja, os pagamentos de R$ 500 mil realizados nos dias 12 e 19 de abril e 3 de maio de 2017, foram acompanhados e registrados em áudio e vídeo pela Polícia Federal no âmbito das ações controladas 4315 e 4316, autorizadas por esta corte, havendo portanto nos autos farto material comprobatório. Talvez por isso os fatos não tenham sido tão explorados pela defesa dos acusados. Preferiram eles apontar supostos vícios quanto às provas que dão sustentação à presente denúncia — argumentou o subprocurador-geral da República.


Jornal O Globo (Rio)