Um uso pouco ortodoxo da maconha tem seduzido mulheres com a promessa de orgasmos mais intensos, prolongados ou até múltiplos.
São lubrificantes à base de óleo de Cannabis e óleo de coco, aplicados no clitóris e na vagina pouco antes da masturbação ou do sexo.
Sua produção é oficial nos estados que legalizaram o mercado comercial da erva nos EUA, é tolerada no Uruguai e clandestina no Brasil.
Por aqui, a reportagem da Folha mapeou versões caseiras do lubrificante produzidas no Sul, Sudeste e Nordeste. Elas circulam em grupos de mulheres que se articulam via WhatsApp e redes sociais.
“Sei que posso ser presa, mas não tenho medo”, diz Joana (nome fictício), 30, que produz o óleo e diz ter mais de cem clientes regulares, entre Pernambuco, Rio e São Paulo. “Quero ver mulheres mais independentes sexualmente.”
Pesquisa do Projeto de Sexualidade da Faculdade de Medicina da USP, divulgada no ano passado, aponta que 56% das brasileiras têm dificuldade em atingir o orgasmo.
Joana, assim como outras brasileiras, admite ter criado seu óleo inspirada no Foria, spray criado na Califórnia em 2014, que custa US$ 50.
O estado legalizou a maconha medicinal em 1996 e sua versãocomercial em 2017, juntando-se a outros oito territórios do país que tornaram legal o uso recreativo da planta.
“Os testemunhos que recebemos são incríveis, seja de mulheres jovens que têm melhores orgasmos, seja de mulheres na menopausa, que relatam maior lubrificação e prazer”, diz Rebecca Hasbrouck, gerente de operações da empresa.
Uma versão do produto sem THC (tetra-hidrocanabinol, o psicoativo da Cannabis) e com CBD (canabidiol, outro princípio ativo da erva, usado em medicamentos e legal em vários países) passou a ser exportada mundo afora.
Segundo a empresa, o Brasil está entre os dez países que mais encomendam a novidade. O número de clientes brasileiras subiu de 40 para 250 em seis meses.
A Anvisa informou que a importação de produtos à base de canabidiole outros canabinoides é autorizada para fins exclusivos de tratamento de saúde de pessoa física e mediante prescrição médica.
Nos demais casos, a importação pode ser enquadrada nos crimes de porte ou tráfico de drogas, segundo informações da Polícia Federal.
Hasbrouck diz ser esperada a proliferação de versões locais do Foria. “Nossa matéria-prima é natural. Não me surpreende que pessoas se arrisquem a criar suas versões.”
A mais barulhenta delas foi criada por uma brasileira, batizada de XapaXana e lançada em dezembro numa feira de produtos à base de maconha no Uruguai, primeiro país do mundo a regular produção e venda recreativa de maconha com controle estatal.
“Fiz muitas pesquisas e desenvolvi um projeto de arte que trata do empoderamento sexual feminino”, define Débora Mello, 41, sobre o fanzine que divulga obras de artistas latino-americanas e traz, como brinde, cinco miligramas do produto.
Vendido em sex shops e pequenas lojas na capital e no litoral uruguaios, o Xapa Xana circula no chamado “mercado gris” (cinza) —que aguarda regulação específica.
“Juntei dois tabus em um potinho: a maconha e o prazer sexual feminino”, brinca ela, filha de pai uruguaio, criada numa família religiosa.
“A mulher sempre foi muito reprimida sexualmente, o que gera medo e culpa, enquanto homens sempre foram estimulados a explorar seu prazer”, diz. “Agora, nós mulheres temos de aprender a usufruir do nosso corpo. É um movimento que só tende a crescer.”
Mello foi sondada por um laboratório suíço, interessado em seu XapaXana, que já foi confundido com uma versão brasileira de mesmo nome, mas com muitas reclamações após seu uso.
LADO B
De dez brasileiras que experimentaram versões caseiras do óleo e foram ouvidas pela reportagem, sete relataram efeitos positivos e três não notaram diferença. Duas disseram terem desenvolvido candidíase após o uso. Houve relatos também de sensibilidade maior entre os parceiros.
Segundo o farmacêutico Paulo Orlandi, pesquisador da Unifesp, o controle sanitário é ainda mais importante pela via vaginal que pela oral. Feito sem condições adequadas de higiene, o óleo pode provocar um desequilíbrio na microflora vaginal, afirma ele.
O produto não deve ainda ser usado com camisinhas de látex, já que o óleo parece corromper o material.
Médicos dizem que supostos efeitos do produto podem ser devidos à eventual presença de receptores do sistema endoncanabinoide (neurotransmissores semelhantes aos compostos químicos da maconha) na região genital.
“Se existirem receptores de THC e CBD na vagina, o produto ajudaria no relaxamento daquela musculatura e sua sensibilidade”, especula o ginecologista Renato Kalil, do hospital Albert Einstein. “Se este tipo de produto for aprovado pela Anvisa, eu indicaria com tranquilidade.”
Para o ginecologista César Fernandes, não há dados de eficácia e segurança para o uso responsável do produto.
Folha SP - Repórter Fernanda Mena