Michel Temer assinou nesta quarta-feira 19 um parecer que pode, na prática, parar a demarcação de terras indígenas no País.
A decisão de Temer atende a uma reivindicação importante da bancada ruralista, da qual o peemedebista precisa de votos para se livrar das denúncias que enfrenta na Lava Jato. Segundo estimativa da AGU, a medida deve paralisar 748 processos hoje em andamento no País.
Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), todos os órgãos do governo federal deverão adotar agora o entendimento firmado no julgamento do STF sobre a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, nos processos de demarcação de terras indígenas.
Em 2009, o Supremo definiu que a posse indígena das terras não impede a atuação do Poder Público na área, podem ser instaladas, sem autorização prévia, redes de comunicação, estradas e equipamentos públicos.
A medida assinada por Temer ignora, porém, decisão do Supremo tomada em 2013, que diz que as regras da reserva de Roraima não se aplicam a outras terras indígenas: "a decisão tomada na Petição (PET) 3388 não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas".
Leia mais na reportagem da Agência Brasil:
AGU diz que regras do STF vão balizar novas demarcações de terras indígenas
André Richter - A Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou nesta quarta-feira (19) que todos os órgãos do governo federal deverão adotar o entendimento firmado no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, nos processos de demarcação de terras indígenas.
A medida foi formalmente viabilizada hoje (19) pelo presidente Michel Temer, que assinou um parecer para balizar o entendimento dos órgãos envolvidos das demarcações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), e diminuir os conflitos fundiários envolvendo áreas indígenas. As regras serão aplicadas somente nas demarcações que ainda estão em andamento.
De acordo com a AGU, ao decidir sobre a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em 2009, o Supremo definiu que a posse indígena das terras não impede a atuação do Poder Público na área. Dessa forma, podem ser instaladas, sem autorização prévia, redes de comunicação, estradas e equipamentos públicos. As regras também impedem a moradia, caça e pesca de pessoas estanhas às comunidades, além da prescrição dos direitos indígenas às suas terras.
Em nota, a AGU informou que a adoção do procedimento não é uma inovação do Executivo sobre a matéria. "A novidade do presente ato é a forma jurídica adotada, já que a portaria [303/2012] anteriormente editada pela Advocacia-Geral da União não tinha o condão de vincular todos os órgãos da Administração Pública, enquanto o parecer aprovado, diferentemente, obriga todos os órgãos públicos a lhe dar fiel cumprimento, nos termos da Lei Complementar 73/1993", informou o órgão.
Abaixo, texto publicado no site do STF sobre a decisão de 2013:
Quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Plenário mantém condições fixadas no caso Raposa Serra do Sol
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, na tarde desta quarta-feira (23), a validade das 19 salvaguardas adotadas no processo que decidiu pela manutenção da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas esclareceu que a decisão tomada na Petição (PET) 3388 não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas. Os ministros também decidiram que os índios podem realizar suas formas tradicionais de extrativismo mineral, como para a produção de brincos e colares, sem objetivo econômico. O garimpo e a chamada faiscação, com fins comerciais, dependem de autorização expressa do Congresso Nacional.
O caso
Em março de 2009, ao concluir o julgamento da PET 3388, a Corte considerou válidos a portaria e o decreto presidencial que homologaram a demarcação da reserva, e listou uma série de condições para a execução da decisão, que seria supervisionada pelo Supremo com apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Contra a decisão foram apresentados sete embargos de declaração, pedindo esclarecimentos e até mesmo mudanças na decisão.
Salvaguardas
A Procuradoria Geral da República (PGR) questionou, inicialmente, a validade das condicionantes incorporadas ao acórdão da PET 3388. Para a PGR, não caberia ao STF traçar parâmetros abstratos de conduta, quando esses temas não foram sequer objeto de discussão no processo, e não permitiram direito ao contraditório. Para a Procuradoria, a Corte extrapolou os limites da causa.
O relator do caso, ministro Roberto Barroso, concordou que a incorporação das salvaguardas foi uma decisão atípica, mas observou que, sem elas, seria impraticável pôr fim ao conflito existente na região. As salvaguardas foram uma espécie de regime jurídico a ser seguido para a execução do decidido, explicando o sistema constitucional incidente na matéria.
Ao negar provimento aos embargos da PGR neste ponto, o relator foi acompanhado pela maioria dos ministros presentes à sessão, à exceção dos ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, para quem o STF, ao criar as condicionantes, teria extrapolado o objeto da causa, traçando parâmetros abstratos e alheios ao que fora proposto na ação original. Em todo o julgamento, estas foram as únicas divergências quanto ao conteúdo material do julgado.
Vinculação
A decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas, explicou o ministro Barroso ao analisar outro ponto dos embargos da PGR. A decisão vale apenas para a reserva em questão. Nesse sentido, Barroso lembrou que a Corte já negou reclamações em outros casos, que alegavam desrespeito à decisão tomada nesta Petição.
Contudo, o ministro ressaltou que a ausência de vinculação formal não impede que a jurisprudência construída pelo STF, estabelecendo diretrizes, possa ser seguida pelas demais instâncias. Isso porque, embora não possua efeitos vinculantes, “a decisão ostenta a força intelectual e persuasiva da mais alta Corte do País”, arrematou Barroso.
Primazia
A PGR também sustentou que a decisão do STF teria dado primazia aos interesses da União, em detrimento dos direitos indígenas. Para o ministro Barroso, contudo, não existiu a alegada primazia, a quem quer que seja. O STF apenas definiu como deveriam ser conciliadas as forças antagônicas presentes no litígio. De acordo com o ministro, não existe direito absoluto: os direitos dos índios são tão importantes quanto o direito à proteção ambiental ou à defesa nacional.
Outro ponto levantado pela PGR dizia respeito à necessidade de edição de lei complementar para a utilização das terras indígenas para fins econômicos, militares ou para a manutenção de serviços públicos. O relator explicou que, se não fosse regulamentado esse ponto, por meio de uma das salvaguardas constantes da decisão do STF, haveria óbice às ações para prestação de serviços públicos – como educação ou saúde, por exemplo –, e ações relativas à soberania e defesa nacional. Esse impedimento, segundo ele, não seria compatível com o conjunto da Constituição.
Consulta
A PGR também se manifestou sobre a necessidade de participação das comunidades indígenas nas deliberações que afetem seus interesses diretos. O ministro-relator explicou que o acórdão na PET 3388 destaca que o direito de prévia consulta às comunidades deve ceder diante de questões estratégicas, como a defesa nacional, soberania ou a proteção ambiental, que podem prescindir de prévia comunicação a quem quer que seja, incluídas as comunidades indígenas.
Ele alertou, porém, para o fato de que essa possibilidade não pode ser usada como subterfúgio para afastar a participação dos índios nas tomadas de decisões. Além disso, lembrou que a União e os indígenas podem recorrer de qualquer decisão que julgarem ilegal.
Ampliação
Quanto ao impedimento para ampliação das áreas demarcadas, o ministro explicou que, se não fosse feita essa salvaguarda, e fosse permitida a ampliação de demarcações, estaria se criando um ambiente de insegurança jurídica. A vedação, contudo, não impede que determinada área seja aumentada, por meio de compra de áreas contíguas pelos próprios índios ou pela União, ou pela desapropriação de terras.
Roberto Barroso explicou, ainda, que o acórdão questionado não proíbe toda e qualquer revisão do ato de demarcação: o controle judicial dos processos demarcatórios é plenamente admitido. “Não fosse assim, o STF sequer teria julgado a Petição”, afirmou. Mas a revisão não pode ser fundada na conveniência do administrador. Isso porque ampliação ou revisão de terras indígenas não depende de avaliação política, e sim de estudo técnico antropológico. Qualquer modificação não pode depender de interesses políticos momentâneos.
Garimpagem e faiscação
As comunidades indígenas de Socó, Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai questionaram a necessidade de os índios obterem permissão para exercerem a chamada lavra garimpeira. Uma das salvaguardas incluídas no acórdão diz que os índios não poderão, sem autorização do Congresso Nacional, explorar recursos hídricos e energéticos da reserva. A própria Constituição prevê que o usufruto não permite a exploração de recursos.
Em seu voto, o ministro Barroso defendeu a validade da cláusula, mas disse entender que não se pode confundir mineração – exploração econômica – com formas tradicionais de extrativismo, históricas, integrantes do modo de vida de determinadas comunidades indígenas. Para Barroso, deve ser permitida aos índios a forma tradicional de extrativismo mineral, sem finalidade econômica, como para a produção de brincos e colares.
Questões
Outro embargante, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), fez uma série de perguntas que foram respondidas pelo relator na sessão desta quarta.
Sobre a possibilidade de permanência de pessoas não índias, miscigenadas ou que vivam maritalmente com índios, Barroso frisou que a decisão não se baseou em critérios genéticos, mas socioculturais. Para o ministro, podem permanecer na Raposa Serra do Sol todos que integrem comunidades indígenas locais, pouco importando se possuem ancestrais índios ou se têm vínculo de sangue ou de união.
As autoridades religiosas de denominações não indígenas e seus templos podem permanecer nas áreas, desde que aceitos pelas comunidades locais, e não pretendam intervir na forma de viver dos índios. As comunidades têm autonomia para decidir se aceitam, ou não, a presença de missionários e seus templos nas áreas indígenas.
Da mesma forma, as escolas públicas estaduais e municipais podem continuar funcionando na reserva. De acordo com o ministro Barroso, o acórdão na PET 3388 foi expresso no sentido de que estado e municípios devem continuar a prestar serviços públicos na área, respeitando, contudo, as normas federais sobre educação dos índios.
O ministro também explicou que os não índios podem passar pelas rodovias públicas que atravessam a Raposa Serra do Sol – mais especificamente a Boa Vista-Pacaraima e a BR 433 –, sem ter o direito de usufruto sobre rios, lagos e riquezas da região. Os índios não exercem poder de polícia, e não podem impedir a passagem de cidadãos por vias públicas.
O relator lembrou, ainda, que, no julgamento da PET 3388, o STF não apreciou ações individuais de portadores de títulos de propriedade de terras na região, apenas julgou a validade da portaria e do decreto que homologaram a demarcação da Raposa Serra do Sol. Assim, ações individuais devem ser analisadas caso a caso, pelas instâncias locais, levando em conta o teor do julgamento. Por fim, salientou que eventuais conflitos entre grupos indígenas quanto à ocupação ou desocupação de fazendas deverão ser resolvidos pela própria comunidade, sob supervisão da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O senador Mozarildo Cavalcanti questionou o fato de o STF proceder à execução de uma decisão declaratória. Em seu voto, o ministro Barroso mencionou que o que a Corte fez foi declarar a validade da portaria e do decreto que homologaram a demarcação, estabelecendo condições pelas quais ela seria implementada. O que está sendo executado não é a decisão, mas a portaria e o decreto. “O STF chamou para si a efetivação do julgado diante do histórico de conflitos na região”, afirmou. “Seria ingênuo supor que a mera declaração faria cessar a oposição indevida aos direitos reconhecidos no processo”.
O senador também questionou a ausência de citação do Estado de Roraima. Sobre este ponto, o ministro explicou que, após a instrução do processo, o Estado pleiteou seu ingresso no feito como litisconsorte, ao lado do autor, mas os ministros decidiram admitir o estado como assistente simples, colhendo o processo na situação em que se encontrava.
Fazenda Guanabara
O autor da PET 3388, ex-senador Augusto Affonso Botelho Neto, recorreu contra a decisão alegando que a Fazenda Guanabara deveria ser excluída da área demarcada, uma vez que seria propriedade privada desde 1918, tendo sido reconhecido o domínio particular por sentença transitada em julgado em 1983. O ministro negou provimento aos embargos, lembrando que a questão da fazenda foi expressamente mencionada nos votos dos ministros Ayres Britto (aposentado), Menezes Direito (falecido) e Gilmar Mendes.
Jurisdição
Ao final do julgamento, o ministro revelou que recebeu informação do desembargador federal Jirair Megherian, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que auxiliou o relator original, ministro Ayres Britto, no sentido de que a execução da decisão já foi integralmente concluída. Segundo o desembargador, em junho de 2009 não havia nenhum não índio na terra indígena Raposa Serra do Sol. Não houve necessidade de prisão, e a maior parte dos não índios que tiveram que sair já sacou valores depositados pela Funai a título de indenização por benfeitorias advindas da ocupação de boa-fé.
Assim, concluída a execução, o ministro Barroso propôs que, transitada em julgado essa decisão, a jurisdição do STF está encerrada no caso. A proposta foi acolhida pelos ministros presentes ao final da sessão desta quarta.
Portal Brasil 247