O Senado do Chile aprovou a descriminalização da interrupção da gravidez em três casos: risco de vida materna, inviabilidade do feto e estupro.
Depois da votação, a alegria dominou o plenário onde estavam presentes organizações que apoiam o projeto. No mesmo momento, os presentes contrários à iniciativa, incluindo a representante do Observatório Legislativo Cristão, Marcela Aranda - que esteve presente durante a votação -, já haviam se retirado.
Claudia Dides, diretora da organização pró-direitos reprodutivos das mulheres Miles, comentou, emocionada, que "este é um dia histórico, um grande avanço na proteção dos direitos humanos das mulheres chilenas. É uma grande contribuição à história do nosso país. Crianças, adolescentes e mulheres despertarão felizes amanhã, sentindo-se seguras por saber que, diante destes três casos, poderão decidir sobre o seu corpo".
E acrescentou: "Não foi uma luta não só dos últimos três anos, mas uma luta de mulheres, de muitas organizações e de muitas feministas nos últimos 28 anos".
Desde o início da discussão, grupos evangélicos autodenominados "pró-vida" dividiram as cadeiras do plenário com organizações pró-direitos reprodutivos das mulheres, inicialmente de maneira muito respeitosa.
No entanto, quando a senadora Lily Pérez votou a favor do primeiro caso, aprovado com 20 votos favoráveis e 14 contrários, logo depois de ter afirmado, dois dias antes, que apoiava a iniciativa de Andrés Zaldívar, presidente do Senado, que buscava estabelecer que a interrupção da gravidez nos casos de "perigo da vida materna" não constitui um "aborto" no Código Sanitário, o que foi rechaçado, passaram a ouvir as orações em repúdio ao projeto, o que levou ao esvaziamento do plenário e uma breve interrupção na discussão.
Depois deste primeiro incidente, a confusão voltou a se repetir durante a intervenção do senador do partido de direita União Democrática Independente (UDI), quando participantes a favor do projeto começaram a gritar "nós parimos, nós decidimos", gerando a evacuação do plenário e a suspensão da sessão.
Ao retomar a votação, foi aprovado o aborto em caso de inviabilidade fetal, que permite que a mulher possa interromper a gravidez caso o embrião possua uma alteração estrutural congênita ou genética que impeça a sua sobrevivência fora do ventre da mãe.
Durante a discussão deste ponto, a oposição, em especial o senador Alberto Espina, insistiu que não existe uma lista de doenças intrauterinas determinadas que se encaixem na interrupção de gravidez por este motivo, o que, segundo ele, poderia ser útil para que algumas mulheres consigam realizar um aborto mesmo quando o feto não possua uma doença vital.
Durante a discussão e votação do terceiro caso, o mais polêmico entre os três, estupro, que foi aprovado por 18 votos a favor e 16 contra, o senador Espina foi questionado novamente, por ter rechaçado a proposta com o argumento de que "para uma mulher de 18 anos, a lei estabelece que ela não é obrigada a denunciar um estupro comum, um estupro normal, quero dizer, dramático, mas dentro da legislação", disse, incomodando a muitas das mulheres presentes por utilizar termos como "estupro comum"e "normal".
Entre os democratas cristãos, o senador Patricio Walker declarou que votava contra esta proposta porque "não se pode desfazer da vida de um terceiro quando esta vida é viável". Na mesma linha de pensamento, o senador Andrés Zaldívar indicou que não aceitava "o aborto em caso de estupro para não tirar a vida deste ser que está para nascer".
Por outro lado, o senador Fúlvio Rossi explicou que votou a favor do aborto em caso de estupro porque acredita "nas mulheres que denunciam" e que é um "direito legítimo" decidir interromper uma gravidez fruto de um estupro.
"O Estado não pode punir uma mulher que já sofreu bastante. A obrigação de prosseguir com um gravidez neste caso é uma forma de tortura", afirmou.
Entenda quais são os três casos em que o aborto é permitido e os requisitos para interromper a gravidez
Primeiro caso: risco da vida materna
O texto do projeto define que neste caso "de acordo com a decisão da mulher, a interrupção da gravidez é autorizada quando: a mulher apresente risco de vida, de tal maneira que a interrupção da gravidez evite maiores perigos para a sua vida".
Para realizar a interrupção da gravidez neste caso, é necessário um diagnóstico médico.
Segundo caso: inviabilidade do feto
O texto do projeto apresenta que "de acordo com a decisão da mulher, a interrupção da gravidez é autorizada quando o embrião ou o feto apresente uma patologia congênita adquirida ou genética, incompatível com vida extrauterina independente, em todos os casos em que apresentem um caráter letal".
Para realizar a intervenção médica, é necessário, previamente e por escrito, dois diagnósticos similares apresentados por médicos especialistas.
Terceiro caso: estupro
O texto do último caso votado indica que: "de acordo com a decisão da mulher, a interrupção da gravidez está autorizada quando resultado de um estupro (…)". Neste caso, se estabelece um prazo para a interrupção da gravidez: no caso de mulheres acima dos 14 anos, estas poderão realizar a interrupção até as doze semanas de gestação, enquanto para as mulheres menores de 14 nos, este prazo se estende às 14 semanas.
Para realizar a intervenção médica, é necessário que uma equipe médica, formada especialmente para atuar nestes casos, confirme as circunstâncias dos fatos que constituem o caso e o período de gestação, e informe estas circunstâncias por escrito à mulher ou ao seu representante legal, e ao responsável pelo hospital ou clínica em que será realizada a intervenção.
O projeto que legaliza o aborto nestes três casos, que foi apresentado pela Presidenta Michelle Bachelet em janeiro de 2015, deve passar à votação na Câmara dos Deputados, que deverá votar a aprovação ou o rechaço das mudanças introduzidas pelo Senado.
Brasil de Fato