Até pouco tempo atrás, a palavra cientista era quase exclusivamente masculina. Nos maiores países do mundo, inclusive os desenvolvidos, as mulheres correspondiam a apenas um terço dos profissionais que assinavam artigos. Agora, um estudo produzido pela Elsevier, editora com foco nas áreas de ciência e saúde, revela que a presença delas aumentou até 12% no período entre 2011 e 2015, em relação ao visto entre 1996 a 2000, em 12 países e regiões. O Brasil é um dos países onde a participação de ambos os sexos é mais igualitária — eles correspondem a 51% dos autores de pesquisas; elas, 49%.
O relatório “Pesquisa Global do Panorama de Gênero”, no entanto, ainda denuncia disparidades históricas — as mulheres têm menor índice de colaboração internacional em publicações de artigos, e sua participação na área de ciências físicas ainda é muito tímida.
— O Brasil é um exemplo de que não existem barreiras legais e culturais para que a produção científica seja equilibrada entre ambos os sexos — comemora Dante Cid, vice-presidente de Relações Acadêmicas para a América Latina da Elsevier. — É importante despertar o interesse dos jovens ainda no ensino básico e derrubar noções de que certas áreas são mais masculinas do que outras. No mundo dos negócios, sabemos que empresas com maior número de mulheres em seu conselho consultivo são mais competitivas. A diversidade tem o mesmo efeito na ciência.
Cid reivindica mudanças na legislação, já implementadas com sucesso em outros países, que estabelecem a licença paternidade, permitindo que as mulheres voltem ao trabalho mais cedo, enquanto os homens cuidam do filho. Desta forma, as pesquisas científicas conduzidas por elas não seriam comprometidas.
Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, destaca que as mulheres têm mais títulos de mestrado e doutorado do que os homens no país.
— Se a ciência ignorar as mulheres, desperdiçará um grande potencial intelectual — diz — Também sabemos que o índice de evasão escolar é menor entre elas. O próximo passo é incentivá-las a procurar áreas onde sua participação é menor, como as engenharias.
Presidente da Rede Sarah de Hospitais, Lúcia Willadino Braga é um exemplo de que as mulheres podem superar as dificuldades para projetar internacionalmente seu trabalho. A neurocientista integra a cúpula de associações como a Federação Mundial de Neuro-reabilitação, da qual é vice-presidente.
— Ao publicar uma pesquisa, o cientista é identificado apenas pelo sobrenome. Não é possível saber seu sexo, então já fui até chamada de “doutor”. Este é um problema cultural histórico enfrentado pela mulher — conta. — Para nós, o início da carreira pode ser mais difícil.
Vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Thelma Krug lembra a repercussão de sua carreira na vida pessoal. Para que pudesse garantir a dedicação necessária para o trabalho, optou por ter apenas um filho.
— Tenho 66 anos e, na minha época, era muito difícil que a mulher conquistasse destaque profissional — recorda. — Até hoje as pesquisadoras têm dificuldade para viajar porque precisam levar uma babá para cuidar do filho. Este problema não é visto entre os homens. A ciência é misógina.
Jornal O Globo (Rio)