O chefe de cartel de alimentos que lucrou R$ 8 bilhões nos governos Cabral e Pezão, Marco Antônio de Luca, foi preso em nova operação da força-tarefa da Lava-Jato no Rio. Agentes da Polícia Federal chegaram no início da manhã desta quinta-feira num apartamento de luxo na Vieira Souto, em Ipanema, para cumprir mandado de prisão contra o empresário do ramo de alimentação Marco Antônio de Luca, autorizado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
Esta forte presença no setor inspirou o nome da operação, "Ratatouille", um rústico prato francês (sopa de carne ou peixe picado com legumes cozidos em azeite) que também batiza um longa-metragem de animação, no qual um ratinho não se contenta apenas em roubar alimentos, como os demais, e luta para ser um grande chef de cozinha.
Os policiais cumprem também mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao empresário, que vai responder pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Ele é acusado de subornar agentes públicos em troca de favorecimento na assinatura de contratos com o governo para fornecer, basicamente, alimentação a escolas públicas e presídios por meio de empresas ligadas ao empresário: Comercial Milano e Masan Serviços Especializados.
Prato Principal - Na contabilidade da propina de Sérgio Cabral, ele era identificado como “Loucco”. Mas só agora, seis meses depois da apreensão das anotações de Luiz Carlos Bezerra, operador do esquema, os investigadores descobriram a identidade escondida pelo codinome:"Loucco, de acordo com Bezerra, é Marco Antônio de Luca, o cabeça de um clã de fornecedores de alimentos e serviços ao governo fluminense. Nas agendas - entre elas uma do Corpo de Bombeiros - e papéis do operador, aparecem pelo menos dois pagamentos, no total de R$ 300 mil, feitos por de Luca a Cabral. A revelação garantiu à força-tarefa da Operação Calicute, versão da Lava-Jato no Rio, a evidência que faltava para a prisão do empresário, acusado de fazer parte da organização criminosa comandada pelo ex-governador.
As anotações da contabilidade da propina foram recolhidas, em novembro do ano passado, em operação de busca e apreensão na casa de Bezerra. Porém, os investigadores só descobriram quem era “Loucco” e os outros donos de codinomes da lista, como "Sony", "Fiel" e "Tia", depois que Bezerra, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara da Justiça Federal Criminal, no último dia 4 de maio, os identificou. A força-tarefa concluiu que o clã dos Luca pagou R$ 13 milhões em propina para obter um total de R$ 8 bilhões em contratos das empresas do conglomerado com o governo do Rio a partir de 2007, quando Cabral assumiu o governo, até o governo Pezão.
Duas das empresas da família, a Comercial Milano e a Masan Serviços Especializados, lideram o mercado de fornecedores de alimentos para os presídios e para escolas públicas do governo estadual. Esta forte presença no setor inspirou o nome da operação, "Ratatouille", um rústico prato francês (sopa de carne ou peixe picado com legumes cozidos em azeite) que também batiza um longa-metragem de animação, no qual um ratinho não se contenta apenas em roubar alimentos, como os demais, e luta para ser um grande chef de cozinha.
O clã dos de Luca também atua no fornecimento de equipamentos, limpeza e conservação predial para órgãos estaduais e prefeituras fluminenses, incluindo contratos de valores elevados na capital durante a gestão de Eduardo Paes. Em 2010, a Masan chegou a fazer uma alteração do objetivo social da empresa para assumir, logo depois, um contrato com o município do Rio, no valor de quase R$ 13 milhões, para gerir a frota de fumacês destinada ao combate à dengue.
Com base nas anotações apreendidas na casa de Bezerra, os investigadores apuraram que o esquema de corrupção comandado por Cabral abasteceu o ex-governador e outras dez pessoas do círculo familiar com R$ 7,3 milhões em propina, sempre em espécie, entre outubro de 2013 e outubro de 2016. Bezerra admitiu que recolhia propina em empreiteiras e outras empresas, incluindo as de Marco de Luca, que prestavam serviço para o governo. Ele afirmou que cumpria as ordens do operador Carlos Miranda e, a partir de 2015, do próprio ex-governador. Bezerra era remunerado com R$ 30 mil mensais, valores também gerados pelo esquema de corrupção.
O empresário preso é mais um exemplo do modelo de relacionamento que Cabral estabeleceu com os fornecedores do estado. Contratos milionários e pagamento de propina cevados pelo convívio pessoal. Marco de Luca tinha livre acesso à intimidade dos Cabral, como outros empresários que enriqueceram em seu governo.
Pechincha - Marco Antônio de Luca é um velho amigo de Sérgio Cabral e vizinho do ex-governador na chamada "República de Mangaratiba", localizada na Praia de São Braz, no Condomínio Portobello Resort, onde assessores e empresários próximos ao peemedebista ostentam mansões com pequenas marinas para suas lanchas de alto porte. Tal amizade fez com que Cabral intercedesse em seu favor com um pedido inusual no esquema comandado por ele: uma pechincha da propina paga por empresas de alimentação aos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ).
De Luca foi um dos alvos da Polícia Federal na operação "Quinto do Ouro", que prendeu cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no final de março. Ele foi conduzido para depor à força na Superintendência da PF e teve seus telefones e outros equipamentos eletrônicos apreendios na ação policial. Sua empresa, a Masan Serviços Especializados, é uma das maiores fornecedoras do governo estadual com merenda e quentinhas para os presídios, e o empresário, suspeito de subornar agentes públicos para conseguir contratos com o estado. Suspeita-se também que ele tenha usado a cadeia de bares Riba para lavagem de dinheiro. Ele é um dos integrantes da 'gangue do guardanapo' que se esbaldou em festa em Paris junto ao ex-governador.
O ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Jonas Lopes de Carvalho e seu filho, Jonas Lopes de Carvalho Neto, contam em detalhes aos investigadores da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) como o ex-governador "aliviou" o amigo.
Em meados de 2016, Jonas recebeu uma ligação de Cabral para comparecer com o filho ao escritório do ex-governador, no Leblon. Quando chegaram, Cabral levou Jonas para uma conversa particular e pediu informações sobre como funcionava o "esquema na Seap", em referência ao pagamento de propina a conselheiros por meio do fundo especial da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
Ao explicar que ele, Jonas, ficava com 5% dos 15% pagos pelas empresas aos consellheiros, "por ser a última vez que se envolveria nesse tipo de ajuste ilícito"., Cabral pediu a ele um desconto para "um amigo muito próximo que estava na lista de pagadores das empresas do ramo de ailmentação". O ex-governador solicitou então que o percentual que a Masan pagava aos conselheiros caísse de 15% para 12%, o que foi aceito por Jonas.
Em seguida, Cabral pediu para o filho de Jonas participar da conversa e ligou para De Luca dizendo ao empresário que Joninhas, como é conhecido o filho de Jonas Lopes, iria até a sua casa na Vieira Souto, em Ipanema, a quem seria paga a propina já descontado os 3%. Dessa maneira, a Masan deixaria de pagar os 15% diretamente Carlson Ruy Ferreira, apontado como arrecadadador dos valores para o esquema.
Fundo da discórdia - Entre os esquemas que geraram propinas distribuídas pelo então presidente do Tribunal de Contas do Estado Jonas Lopes de Carvalho aos demais integrantes do TCE-RJ, já revelado pelo GLOBO no especial sobre a operação "Quinto do Ouro", estava a arrecadação de valores junto aos fornecedores de alimentação da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), parte deles controlados por Marco Antonio de Lucca e família.
Para obterem agilidade na liberação do dinheiro do Fundo Especial de Modernização do TCE-RJ , os empresários acertaram pagamento de 15% de um total de R$ 160 milhões liberados para Seap e o Degase, em caráter expecional autorizado pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) pagar as despesas e dívidas da alimentação de presos no Rio junto aos fornecedores, segundo as delação de Jonas Lopes e do filho, Jonas Lopes Neto, ao STJ. Tudo isso com anuência do ex-governador Sérgio Cabral e do atual secretário de Estado Affonso Henriques Monnerat Alves da Cruz.
Para que a liberação fosse feita, foi preciso articular a flexibilização da Lei do Fundo do TCE-RJ e da Lei do Fundo da Alerj.
Ainda de acordo com as colaborações premiadas homologadas pelo STJ, a liberação dos R$ 160 milhões gerou uma corrida de empresários e deputados interessados em 'tirar uma casquinha' do montante na tentativa de que outras áreas fossem agraciadas com o dinheiro do fundo, como esporte e educação. Sendo assim, os conselheiros teriam se beneficiado da articulação do presidente da Alerj, Jorge Picciani, e do subsecretário de Comunicação Social do governador Luiz Fernando Pezão, Marcelo Santos Amorim.
A arrecadação ficaria por conta do emrpresário do ramo de alimentação Luiz Roberto de Menezes Soares, irmão do Rei Arthur e proprietário de uma das fornecedoras (Cor&Sabor Distribuidora de Alimentos Ltda). Mas, segundo os delatores, houve discórdia entre as partes e Luiz Roberto foi substituído por 'não ter credibilidade perantes os demais empresários do ramo para organizar a arrecadação". Picciani teria escolhido então Carlson Ruy Ferreira para recolher a propina.
No despacho do STJ, consta que os conselheiros alvos da PF chegaram a receber R$ 7, 2 milhões de propina do esquema. Além de Jonas Lopes, os conselheiros envolvidos foram José Gomes Graciosa, Marco Antônio Barbosa de Alencar, José Mauricio de Lima Nolasco, Domingos Inácio Brazão e Aloysio Neves Guedes, presidente afastado do TCE-RJ. A exceção ficou por conta da corregedora do tribunal Marianna Montebello.
'Corrida por R$ 160 milhões' - A 'corrida' de empresários após a liberação do fundo gerou discórdia entre os interessados e até pedido de desconto da propina, inusual no esquema comandado pelo esquema do ex-governador Sérgio Cabral. O convênio para o Estado receber o dinheiro do fundo foi assinado em 2016 ainda na gestão interina do vice-governador Francisco Dornelles e logo que as primeiras parcelas foram liberadas - R$ 20 milhões para o Degase e R$ 40 milhões para Seap - o filho de Jonas Lopes, o Joninhas, afirma ter recebido uma lista do empresário Carlson Ruy Ferreira com a relação de empresas que não aceitaram participar do esquema, o que não garantiria o percentual acertado aos conselheiros.
A discordância para o pagamento de 15%, segundo os delator, se deu porque os empresários insisitam em pagar os 10% 'praticados pelo mercado', em uma referência ao pagamento de propina existente nas faturas recebidas pelas empresas. Depois outras duas parcelas foram pagas: novamente R$ 20 milhões para Degase e R$ 40 milhões para Seap e a última de R$ 40 milhões apenas para Seap e tudo estaria resolvido, não fosse a inteferência do ex-governador Sérgio Cabral ao pedir um "desconto" para o amigo Marco Antônio de Luca.
Jornal Extra (Rio)