“Se as mulheres ganhassem o mesmo que o homem, nós teríamos R$ 461 bilhões a mais na economia brasileira. As mulheres ganham menos e estudaram mais”. A fala do publicitário Renato Meirelles talvez seja o retrato mais evidente do quanto o Brasil está longe de alcançar a igualdade entre gêneros no mercado de trabalho e na sociedade – ainda que não acredite ser um país machista. “Nós teríamos, nessa situação de crise que o país vive hoje, R$ 461 bilhões a mais”, repetiu Meirelles, salientando a incrível cifra.
Ele foi um dos convidados para o evento “Por que precisamos enfrentar o machismo?”, realizado nesta segunda-feira (29), pela Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que desde o início do ano tem a deputada Manuela D’Ávila (PC do B) como titular. Meirelles, que é criador do Data Favela e Data Popular, falou ao lado de Manoela Miklos, uma das idealizadoras da campanha #agoraéquesãoelas, traçando um painel de números que provam que o machismo é sim ainda um problema muito brasileiro.
Segundo números apresentados por ele, 14% dos homens brasileiros se consideram machistas. Porém, 93% acreditam que vivemos em uma sociedade machista. “Ou seja, machistas são os outros”, ironizou Meirelles. “Apenas 6% dos brasileiros discordam da frase que é justo homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo terem o mesmo salário. No entanto, 68% consideram que se o chefe souber que a funcionária vai engravidar pode prejudicar a carreira da mulher. E 6 de cada 10 brasileiros afirmam preferir ter um chefe homem do que uma chefe mulher”.
O publicitário apontou os números da desigualdade com base em pesquisas realizadas por sua agência – Locomotiva – em entrevistas com homens e mulheres. Sobre renda e trabalho, por exemplo, a pesquisa apresentada por ele mostra que 52% dos brasileiros disseram que acreditam que os homens estão mais aptos para aguentar “pressão” no ambiente de trabalho; 40% afirmam que os homens são mais ambiciosos; enquanto isso, 42% dos entrevistados diz que as mulheres são mais “mandonas”, 46% afirmam que as mulheres ajudam mais os colegas, 67% consideram as mulheres as mais pacientes, 45% afirmam que são elas as mais comprometidas com o trabalho, 49% que são elas as mais confiáveis e 47% que são elas as mais eficientes.
Ou seja, se as mulheres parecem apresentar o melhor perfil para o mercado de trabalho, qual seria o obstáculo que impede a paridade entre os dois gêneros? “Já que a sociedade brasileira, na prática, reconhece um conjunto de qualidades que são as mais defendidas pelos gestores do mundo inteiro, mesmo assim, quanto maior o cargo de chefia, quanto maior o cargo de liderança, menor a presença das mulheres. O que além do machismo explica?”, questionou ele. “A crença que existe na sociedade brasileira é que o machismo, assim como a violência contra a mulher, não existe na elite intelectualizada e financeira”.
Há ainda o outro lado do machismo que vai além da economia. De acordo com Meirelles, no Brasil atual, 50,5 milhões de homens admitem já terem agrediram suas companheiras. “Nós fizemos outra pesquisa no ambiente universitário, 58% dos homens responderam que se uma mulher está numa ‘calourada’ (festa de calouros), ela topa ser beijada. E o que está por trás disso? É o sentimento de posse (…) muitas vezes se apoia no crime perfeito, que se ela está vestida de tal jeito é porque quer. O crime perfeito que culpa a vítima pela violência que ele fez”, diz ele, lembrando que esse é o machismo naturalizado e sobre o qual não se fala. “Se não se discute isso, você está fora do jogo. Não se muda situações que não são discutidas”.
A experiência do #agoraéquesãoelas
Um dos cases mais bem sucedidos do país em “falar” sobre o que ninguém quer reconhecer, tem sido o blog #agoraéquesãoelas, hospedado no site da Folha de São Paulo, com curadoria de Alessandra Orofino, Antonia Pellegrino, Ana Carolina Evangelista e Manoela Miklos. No evento desta segunda, Manoela foi quem veio apresentar um pouco da história da iniciativa e os resultados que ela vem colhendo desde o final de 2015.
“Tem uma coisa que todas nós sabemos e que é surpresa para muitos homens, é o tamanho da desigualdade e como é difícil fazer reconhecer que a gente importa igual”, afirmou ela. “Isso soa surpreendente para muitas de nós também. O sentimento de que a gente vale igual é construída dentro de nós”.
A campanha #agoraéquesãoelas surgiu no final de 2015, quando as mulheres do Brasil se uniam nas ruas contra o projeto de lei 5069, proposto pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que dificultaria o acesso de mulheres a métodos contraceptivos e durante a atenção após serem vítimas de violência sexual. Manoela e um grupo de amigas tiveram a ideia de questionar os espaços dados para que mulheres falassem na mídia.
Durante uma semana, alguns dos colunistas mais importantes e mais lidos do país abriram espaço em jornais, blogs e revistas para que mulheres os ocupassem e falassem sobre questões quase nunca faladas. A campanha cresceu e acabou se tornando um blog dentro do site da Folha de São Paulo. Os textos escritos por convidadas já ajudaram a pautar diversos debates sobre cultura do machismo no Brasil e tem sido uma importante ferramenta para o diálogo. O mais recente de grande repercussão foi o relato de uma figurinista da Rede Globo sobre assédio que sofreu durante meses do ator José Mayer, no ambiente de trabalho.
“É um blog que [segue a] ideia de qual é a voz feminina que não está sendo escutada, que é invisível e vulnerável? Essa é a mulher que a gente precisa ouvir. Antes de vir pra cá, eu estava trabalhando em um texto de uma usuária de crack, da Cracolândia, em São Paulo, falando como foram os últimos dias (com as ações policiais ordenadas pelo prefeito João Doria, do PSDB)”, conta ela. “A partir desse exercício de 2015 e desde então, conduzindo esse espaço, com essa lógica, foi possível fazer uma radiografia de quem somos nós e das pautas que cortam todas elas”.
As pautas, segundo ela, mostram que o debate em torno da igualdade de gênero no Brasil hoje, tem como eixo: a violência direta contra a mulher, o eixo econômico e social que a afeta, a discussão sobre os direitos reprodutivos e a subrepresentatividade em espaços de poder, por exemplo, na política. “Tivemos 640 prefeitas eleitas, a grande maioria delas em cidades com menos de 50 mil habitantes. Se você colocar no mapa do desenvolvimento, vai ver que foram eleitas em cidades com muito pouco recurso, que elas estão em condição de grande vulnerabilidade, com extrema fragilidade institucional. Como a gente fortalece essas gestões? Então, [temos de discutir] não só os números, como nos formar como líderes”, lembra ela.
Novas ferramentas da Procuradoria
O evento serviu ainda para apresentar cinco novos projetos da Procuradoria Especial da Mulher para ajudar a dar visibilidade àquelas que quase nunca tem chance de serem ouvidas, segundo a deputada Manuela D’Ávila, atual procuradora.
Entre os projetos estão iniciativas como “A História das Mulheres no Parlamento”, “Cidade Amiga Das Mulheres” – que busca sensibilizar estabelecimentos e serviços para atendimento acolhedor e sem machismo – “Agora é Que São Elas” – comprometer veículos de comunicação e jornalistas a darem espaço para mulheres em colunas e artigos dominados por homens – “Seminário Educação sem Machismo” – capacitando educadores a abordar temas de gênero – e “Projeto Institucional da Procuradoria da Mulher” – que prevê a criação de procuradorias do tipo em Câmaras de Vereadores pelo Estado.
“O Estado precisa do nosso envolvimento. Desde que me envolvi [com a questão], em 2011, não quero tirar o papel das mulheres, que tem caminhado há muito tempo por essa causa. O que eu quero é conversar com os homens”, disse o presidente da Assembleia, Edegar Pretto (PT), que é um dos representantes no país da campanha Eles Por Elas (He For She), da Organização das Nações unidas (ONU). O parlamento gaúcho foi um dos pioneiros na criação de uma frente parlamentar de homens voltada a discutir a violência contra a mulher, também encabeçada pelo petista.