Nelson Marchezan Jr. (PSDB) confirmou para a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, na noite desta terça-feira (02), que o pagamento dos salários de servidores municipais será atrasado. “Nós não estamos ameaçando atrasar salário. Isto é um fato. Fernanda, eu lamento, não é uma opção”, afirmou o prefeito se dirigindo à vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), líder da oposição, que levantou a questão. “Vai atrasar o salário e se nós aprovarmos tudo na Câmara de Vereadores – tudo – talvez, a gente pague o salário atrasado. Porque atrasar vai. Se nós não aprovarmos alguma coisa aqui, nós não vamos pagar o salário. Esse é um fato que eu não posso mudar. Não fui eu que criei esse fato”.
Na quarta-feira da semana passada, Marchezan notificou servidores através de um comunicado que, a partir de maio, o Executivo municipal não teria caixa para pagar as despesas. A notícia foi divulgada pela assessoria da Prefeitura na última segunda-feira, feriado do Dia do Trabalhador. As medidas, às quais ele condicionou o pagamento dos salários à aprovação, foram apresentadas para votação “com urgência” na Câmara, no dia 26 de abril.
Para Cláudio Janta (SD), líder do governo na Câmara, eles têm votos suficientes para aprovar as medidas. “O Legislativo é uma casa consciente. Já conseguimos manter aqui quase todos os vetos do prefeito, acho que são projetos importantes para a cidade de Porto Alegre. Ou se aprova esses projetos ou as pessoas não recebem. Essa é a realidade”, afirmou.
Marchezan disse também que irá pedir a retirada de parte das gratificações aprovadas na gestão anterior e criticou o ex-prefeito José Fortunati (PDT) pela concessão de aumento aos servidores. “Não podia ter dado o aumento, foi dado o aumento, foi aprovado aqui gratificações. Não sei como os vereadores aprovaram, mas vocês aprovaram gratificações nesta Câmara que a Prefeitura já não tinha condições de pagar. Nós vamos encaminhar aqui a retirada de algumas gratificações”.
A fala de Marchezan, nesta terça, na Câmara, aconteceu durante uma audiência pública para responder ao Legislativo e à comunidade sobre o Prometa 2017/2020, plano de metas de seu governo. Por determinação de lei municipal, aprovada em 2015, todo novo prefeito ao assumir o governo deve apresentar as metas de administração em até 90 dias a partir da posse. O atual prefeito é o primeiro a ter que cumprir a lei. O programa de Marchezan possui 58 metas, divididas em três eixos – desenvolvimento social; infraestrutura, economia e desenvolvimento sustentável e gestão e finanças – e foi entregue no dia 30 de março na Câmara.
O programa de metas apresentado durante audiência – também prevista em lei – estipula desde redução de 35% nos furtos e roubos de veículos até a ampliação de 72% no número de casas com acesso a saneamento básico. O programa incluiu ainda 100% de atendimento das demandas de creches para crianças de 0 a 3 anos e 100% de conclusão das obras ainda pendentes da Copa do Mundo de 2014. As metas do governo tucano projetam também zerar o déficit do Tesouro Municipal, nos próximos quatro anos, e captar R$ 1 bilhão de recursos com a iniciativa privada para realização de obras e serviços.
Depois de dizer que a Prefeitura se encontra em “situação falimentar” – isto é, de quase falência – Marchezan afirmou que as metas dizem respeito a “compromissos de campanha” que seriam transformados em “qualidade de vida”. “Algumas são difíceis de serem atingidas, mas a maior vergonha não é não atingi-las, mas não colocá-las como compromisso de governo”, afirmou.
No entanto, em outros dois momentos, seus discurso pendeu para um lado mais realista. Marchezan ressaltou que “entregar” era “palavra mãe do governo”. Respondendo quanto às demandas do Orçamento Participativo, que ficaram pendentes de anos anteriores e que o governo se comprometeu a atender em troca de o OP suspender novas demandas, o prefeito declarou: “Nós não vamos fazer demagogia. Não vai concluir. A gente precisa sentar junto e ver o que se pode fazer, com toda a transparência”.
Orçamento Participativo
O Orçamento Participativo dominou as perguntas direcionadas a Marchezan e seu secretariado na audiência. Das 21 pessoas inscritas, entre as quais quatro vereadores, 11 eram delegados do OP. Em março, Marchezan anunciou a suspensão dos seminários que votam as demandas do Orçamento Participativo por dois anos, usando a crise como justificativa. O OP, criado na prefeitura de Olívio Dutra (PT) em 1989, é uma das primeiras experiências de ferramenta governamental para democracia participativa no mundo. Durante muito tempo, foi o que fez a capital gaúcha conhecida no exterior. Através de seminários realizados em vários pontos da cidade, cidadãos têm através dele a oportunidade de votar quais as demandas mais urgentes de serem atendidas com o orçamento do município.
Segundo Marchezan, seu governo não pretende acabar com o OP, mas sim suspendê-lo até que a crise seja enfrentada. “Vamos reorganizar as demandas, ver o que é possível, o que é viável, senão vai só alimentar sonhos e apenas sonhos sem realizações na prática. A gente vai se comprometer com aquilo que podemos fazer”, afirmou o tucano.
Os delegados do OP que estiveram na audiência pública, no entanto, cobraram posicionamento mais concreto da Prefeitura. A meta 50 do Prometa, por exemplo, fala em “ampliar a efetividade, a transparência, o debate e os canais de participação do cidadão garantindo o engajamento de 50 mil pessoas”, mas sem fazer referência ao OP.
“Vejo meta de 100% de conclusão das obras da Copa, mas não vejo nada sobre as demandas do OP. Como será feito o crescimento do engajamento sem ele?”, questionou Laura Carvalho, delegada do programa. Ela disse ainda que os delegados são “parceiros do governo”, “que cortaram na carne” ao aceitar a suspensão de novas demandas até que “limpasse” o passivo de ano anteriores. “Nós somos a participação popular, pode ser ínfima, mas mobilizamos a comunidade e damos a cara para bater”.
Outro delegado, Chiquinho, lembrou que o OP não está parado só pela suspensão das demandas. “OP não está parado, só entendemos que não deveríamos fazer demandas sem recursos para atender. Queremos objetivos e coisas mais específicas com as demandas do OP. Queremos saúde, educação, segurança pública. Nós fizemos nosso tema de casa”, disse ele cobrando o governo por sua parte.
Outra delegada, Liane Farias, representando as ilhas do Guaíba, também cobrou a falta de programas concretos para a região. “As ilhas não estão de costas, estão de frente para Porto Alegre. Os postos de saúde das ilhas, que já não funcionam direito, com enchentes ficam sem atendimento. Não temos nem assistente social para crianças e idosos, porque chegam de má vontade. A gente só é lembrado em tempo de enchente e eleição”, pontuou ela.
A vereadora Fernanda Melchionna também criticou a falta de prazos e meios concretos para cumprir as metas do programa do Executivo. “O Prometa assim é uma carta de intenções, porque não tem prazos, nem previsão orçamentária. (…) Mesmo metas tímidas dele não condizem com os atos dos primeiros 100 dias de governo”, criticou. Melchionna elencou o que, para ela, seriam contradições entre metas e ações do governo. Como a questão da meta 30, que fala em “oportunizar alternativas de emancipação a 100% da população em situação de rua no município de Porto Alegre”, enquanto a Fasc (Fundação de Assistência Social) vem sofrendo cortes e Centros Pop estão fechados. Ou a meta 33, que fala sobre a “regularização fundiária de duas mil moradias”, em uma cidade que, segundo ela, tem 70 mil irregulares. “São temas que mostram incoerência entre o Prometa e o que está sendo aplicado por sua administração”.
Em resposta às questões do OP, o prefeito apresentou uma iniciativa que vai implantar no governo e que, segundo ele, “seria novidade até para os secretários” que compunham a mesa. “Levar para os bairros, duas vezes por mês, a estrutura do governo [para debater OP e Prometa]. Desde que sejam bairros pobres e longe dos serviços públicos”, salientou.
Tônica em parcerias privadas
Outros pontos levantados durante a audiência, por questões colocados pelos inscritos, se referiam às pastas de Cultura, Educação, Saúde e a situação dos catadores. Antônio Matos, do Fórum das Unidades de Reciclagem, questionou não haver nenhuma previsão nas metas à atividade que conta com 600 trabalhadores em Porto Alegre e ajuda na triagem de duas toneladas de resíduos secos por mês na capital. “Passa a impressão que não existe limpeza urbana, com 58 metas de plano. É preocupante”, disse ele.
Um grupo de artistas protestava com a faixa #PrefeituraPagueACultura, lembrando pagamentos de contratos pendentes desde a gestão anterior e que ainda não foram cumpridos nos primeiros 120 dias de gestão Marchezan. Um deles, o ator Fábio Cunha, questionou a meta que determina que 15% dos espaços em espetáculos culturais da cidade sejam reservados para público de baixa renda, que teria acesso gratuito. Cunha questionava quem pagaria pelos lugares e se a despesa sairia do bolso dos artistas, já que plano não se refere a nada sobre isso. A classe defende a implementação da política de descentralização da cultura: ao invés de reservar lugares em teatros do centro, que a prefeitura reative teatros que estão sem uso e pague artistas para levarem gratuitamente seus espetáculos à periferia, em praças públicas.
Marchezan, porém, garantiu que os 15% reservados à gratuidade serão pagos pela iniciativa privada. “A prefeitura não quer ser casa de favores com dinheiro dos outros. O Estado vai buscar dinheiro para pagar, não vai sair do bolso dos artistas”.
As parcerias privadas, aliás, foram apontadas como tônica de como o governo pretende conduzir as políticas públicas daqui para frente. “Estamos buscando outras formas de financiamento, não do Tesouro, para conseguir atender essa demanda. Seja financiamento, seja recurso privado de todas as formas de PPP (Parceria Público Privada), de concessão, privatização, qualquer nome que tu quiser dar para alguém que venha e coloque dinheiro a favor do interesse público de Porto Alegre”, afirmou Marchezan, respondendo uma questão sobre obras no bairro Anchieta.
À delegada do OP que questionou sobre investimentos para as ilhas, por exemplo, o prefeito afirmou que a falta de políticas e investimentos na região era questão “ideológica”. “Colocaram ideologia acima do interesse público. O interesse ideológico e às vezes partidário, que levou as pessoas a viverem em uma situação inviável, enquanto outros milionários se instalavam ali”. Ele chegou a comparar a vida nas ilhas de Porto Alegre ao apartheid, regime institucionalizado de racismo que vigorou por 43 anos na África do Sul. “As ilhas são o maior símbolo de que a máquina pública não ajuda a melhorar a vida das pessoas. Ela muitas vezes só atrapalha”.
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