O ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), indicou uma socióloga envolvida em denúncias de violação dos direitos de população indígena para a Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), cargo responsável por todo o processo de demarcação de território no órgão.
Azelene Inácio (foto), líder indígena Kaingang, e seu marido, Ubiratan de Souza Maia, constam em uma ação civil pública, de 2008, do Ministério Público Federal, que trata da construção do complexo portuário Porto Brasil, no litoral sul de São Paulo. Souza Maia ainda foi condenado neste ano em outro caso de arrendamento de terras indígenas em Santa Catarina.
A reportagem de CartaCapital teve acesso ao documento que oficializa a indicação, encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Palácio do Planalto no último dia 19 de abril. A nomeação ainda não foi registrada no Diário Oficial da União pois o posto, um DAS 5, é o segundo mais alto em remuneração da esfera pública e precisa receber o aval da Casa Civil para ser confirmado. Se for nomeada, de fato, Azelene ganhará o salário bruto de 12,4 mil reais por mês.
A socióloga é servidora de carreira da Funai. Em 2007, ela ocupava o cargo de coordenadora-geral de Defesa dos Direitos Indígenas do órgão. Foi exonerada deste posto, no entanto, após ajudar a empresa LLX, então propriedade do empresário Eike Batista, a convencer indígenas Piaçaguera, no município de Peruíbe (SP), a assinarem um documento em que desistiriam da posse de suas terras. Em troca, eles receberiam uma fazenda, carros e salários da empresa.
Segundo o Ministério Público Federal, o caso se deu com participação do marido de Azelene, que também tem origem indígena. Acompanhado de um antropólogo próximo aos índios, Ubiratan de Souza Maia se apresentou a uma liderança Piaçaguera como advogado da Funai.
Na época, a dupla teria apresentado uma série de documentos a essa líder para convencê-la de que a aldeia teria perdido suas terras de modo definitivo, inclusive por decisão do Supremo Tribunal Federal. A partir disso, Ubiratan e o antropólogo introduziram, na avaliação do MPF, a “generosa” proposta da LLX.
Para os procuradores, Azelene usou o cargo de “alta credibilidade perante aos índios”, sem autorização da Funai, para influenciar na negociação. Ela chegou a afirmar aos indígenas que eles não deveriam confiar na Funai, “um órgão que só enganava os índios”. Apesar do envolvimento, apenas a LLX e o Estado de São Paulo foram apontados como réus na ação do MPF. Atualmente, Azelene Inácio ocupa o cargo de coordenadora social da Funai em Chapecó (SC).
Marido condenado
Recentemente, Ubiratan de Souza Maia ainda foi condenado por prática ilegal de arrendamento de terras indígenas. Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em Chapecó, a Justiça Federal decidiu que o marido de Azelene e sua empresa deveriam indenizar a comunidade da Terra Indígena (TI) Xapecó, nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios (SC). Também foram condenados na mesma ação o ex-cacique Gentil Belino e Júlio Cesar Inácio.
Segundo apurado na investigação, os indígenas eram obrigados a liberar áreas para a exploração direta por produtores rurais vizinhos, o que era classificado como uma “parceria” entre agricultores não-indígenas e as poucas famílias de índios na região. Os reús teriam cobrado comissão sobre os ganhos dos produtores na terra.
De acordo com a decisão judicial, Ubiratan de Souza Maia, Júlio Cesar Inácio e a empresa JM Consultoria Ambiental LTDA deveriam ressarcir os indígenas no valor de 119 mil reais. Já Gentil Belino teria que devolver R$ 27,5 mil àquela comunidade. Apesar da condenação, o próprio MPF recorreu da decisão de primeiro grau por requer indenização de mais de R$ 240 mil.
Nos últimos meses, o próprio Ubiratan chegou a ser cotado para a coordenador-geral de licenciamento da Funai, mas acabou não sendo indicado ao cargo. Por meio de nota, o MPF manifestou preocupação com essa possibilidade. A reportagem tentou contato com os envolvidos, sem sucesso. O espaço está aberto caso eles queiram se manifestar.
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