No relatório final da comissão apresentado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Cardozo é acusado de ter cometido crimes como associação criminosa, apoio a ações de esbulho possessório e retardamento de atos de ofício contra disposição expressa de lei, além de improbidade administrativa.
O relatório pede ainda o indiciamento do ex-presidente da Funai João Pedro Gonçalves da Costa por improbidade e desobediência à ordem legal de funcionário público. O desembargador Gercino José da Silva Filho, ex-ouvidor agrário nacional do Incra e ex-presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, também é acusado de improbidade administrativa.
Ao todo, o relatório traz 144 encaminhamentos e indiciamentos. Nas investigações atreladas ao Incra, são 41 casos. Desses, há 28 indiciamentos de pessoas ligadas ao órgão, três antropólogos e 14 procuradores da República. Em relação à Funai, o total é de 103 investigações, envolvendo 14 procuradores, 11 antropólogos, 33 indígenas, 5 servidores da Funai, 5 pessoas ligadas à organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e 21 pessoas ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além do ex-ministro José Eduardo Cardoso.
Apesar dos casos frequentes de violência envolvendo acusações de contratação de pistoleiros em casos de morte e violência contra indígenas e camponeses, o relatório não traz nenhum ruralista para o centro das investigações.
O relatório foi alvo de um pedido de vista conjunto apresentado por dez deputados. O texto deve voltar ser votado na próxima semana. De forma geral, as acusações dão conta de que a Funai e o Incra teriam sido tomados por esquemas de corrupção e ações truculentas, que resultaram na judicialização de quase todas as suas decisões quanto à demarcação de terras ou desapropriação de áreas.
“Após ampla análise do vasto conteúdo probatório, não restam dúvidas de que os equívocos de políticas pretéritas têm servido de escudo a um falso discurso protecionista, a esconder interesses escusos, que vão desde o enriquecimento pessoal à mitigação da soberania, passando pela publicização e coletivização da propriedade privada, bem como pela subjugação socioeconômica como instrumento de manutenção do poder”, afirma Nilson Leitão, em seu relatório.
O relatório também traz duras críticas a organizações socioambientais que atuam na defesa dos direitos de povos tradicionais e camponeses. “Para esconder o desvio de recursos públicos e a gestão em benefício próprio de milhões de dólares que ingressam de entidades e governos estrangeiros, muitos dos que dizem proteger o indígena, na prática, prejudicam e impedem o alcance da efetiva dignidade pelas próprias comunidades indígenas.”
A partir das acusações apontadas pela CPI, cabe à Polícia Federal ou Ministério Público avançar nos casos.
Reações. Por meio de nota, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, afirmou que a CPI da Funai-Incra foi criada, conduzida e relatada por ruralistas estritamente para atender os interesses do agronegócio. “O relatório produzido é viciado e parcial. Com acusações falaciosas, promove perseguição política e preconceito rancoroso contra os povos indígenas e seus aliados. Não investigou os crimes do agronegócio listados em dezenas de requerimentos não aprovados e não permitiu o contraditório aos acusados”, declarou.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou uma nota de apoio aos procuradores do Ministério Público Federal citados no relatório. Segundo a associação, o parecer de Leitão, que acusa membros do MPF com atuação na Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina de prática de condutas ilegais, é um relatório “sem fundamentos”.
“O parecer, na realidade, investe contra a atuação institucional do Ministério Público Federal (MPF), que tem lutado em defesa dos direitos dos índios às terras de sua ocupação tradicional”, declarou a ANPR. “Causa preocupação, ainda, que o relatório da CPI, além de tentar constranger a atuação regular e institucional do MPF, acuse e intimide antropólogos e associações que se empenham na defesa das causas indígenas e de comunidades tradicionais.”
Defender o direito às terras de comunidades indígenas, afirmou a associação, é uma imposição da Constituição e um dever de toda a sociedade. “Desconhecer estes direitos, e atacar os que atuam em sua defesa, por outro lado, apenas traz prejuízos à democracia, à lei e à paz. Os procuradores da República não se afastarão de seu dever institucional de defender a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis”, informa a nota assinada pelo Presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti. “A ANPR confia que a Câmara dos Deputados também saberá exercer o seu papel democrático e não permitirá que ocorram retrocessos quanto aos direitos das comunidades indígenas.”
Estadão (SP)