Por quatro votos a um, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo decidiu nesta terça-feira (11) que os policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru serão julgados novamente. Ocorrido após uma rebelião na Casa de Detenção na Zona Norte da capital, o incidente terminou com 111 detentos mortos em outubro de 1992 após a invasão de policiais armados para conter o tumulto. Caberá agora ao juiz de primeira instância do Fórum de Santana marcar data para novo julgamento e decidir se ele será feito em partes ou se será em apenas um júri.
Em setembro do ano passado, o TJ havia anulado, na segunda instância, os cinco júris do caso, ocorridos no Fórum da Barra Funda, que condenaram 74 agentes da Polícia Militar (PM) pelos assassinatos de 77 presos (os outros 34 presos teriam sido mortos pelos próprios colegas de celas).
Em 2016, três desembargadores haviam decidido anular o júri alegando que não era possível individualizar a conduta de cada um dos PMs envolvidos no massacre (saber, por exemplo, quantos detentos cada agente matou). O então relator, desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do TJ, havia votado pela absolvição dos PMs.
Como, naquela ocasião, não houve consenso dos magistrados se deveria haver um novo júri ou absolver os policiais, o tribunal se reuniu nesta manhã para votar os embargos infringentes, espécie de recurso quando não há decisão unânime.
4 votos a 1
Nesta terça então, o relator Luís Soares de Mello Neto, o revisor Euvaldo Chaib Filho, e os desembargadores Camilo Lellis e Edison Brandão votaram pela marcação do novo júri. Ivan Sartori optou por absolver os PMs pelo assassinato dos presos.
Desse modo, Lellis e Brandão mantiveram a decisão do ano passado, quando pediram novo julgamento. Bem como Sartori, que também repetiu o voto pela absolvição. Naquela ocasião, o ex-presidente do TJ foi o relator do caso.
"Nós só podíamos nos limitar a dizer se [o caso] vai para novo júri ou se eles [PMs] seriam absolvidos. (...) Quando se quer absolver alguém, quem o faz é a primeira instância, e não a segunda instância. Só o jurado pode dizer se ele absolve ou não o réu", reiterou Mello Neto à imprensa após o julgamento, justificando seu voto.
Ameaça de morte
Sartori falou publicamente pela primeira vez sobre as críticas que recebeu de juristas entrevistas por jornalistas quando quis estender a absolvição de três PMs para os demais 74 em 2016.
O antigo relator chegou a dizer que foi ameaçado e, por conta disso, teve de andar com escolta por um período. “As críticas são bem-vindas, mas recebi até ameaça de morte”, falou Sartori durante a leitura de seu voto. “Querem condenar soldados que cumpriram ordem superior.”
“Agora vamos dar esse caso para júri e vai ficar vários anos de diligência”, lamentou Sartori após perceber que seria voto vencido. “Se tiver condenação vai ser condenação por baciada porque não sabe quem atirou em quem. Então para que novo júri?”, indagou Sartori.
Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, a expressão ‘baciada’ havia sido usada no julgamento do ano passado pelo desembargador Camilo Lellis para justificar a anulação dos júris anteriores. Agora, nesta terça, Lellis argumentou que “somente jurados podem julgar o mérito de crimes dolosos contra a vida”.
Num voto sucinto, Chaib Filho não concordou com a absolvição, sendo, desse modo, favorável a marcação de novo júri. Edison Brandão alegou em seu voto que “estou até mais convencido que o júri novo deve ser feito”.
Acusação e defesa
Apesar dos embargos infringentes pela absolvição terem sido recusados pelo TJ, o Ministério Público deverá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que as condenações sejam mantidas, segundo informou a procuradora Sandra Jardim.
“Produziram a maior chacina, o maior massacre e morticínio dos presídios brasileiros. Será que absolver 74 culpados fará justiça?", questionou Sandra.
As defesas dos 74 PMs também deverá entrar com recursos nas instâncias superiores, mas para que seus clientes sejam absolvidos.
Após o julgamento, a advogada Ieda Ribeiro de Souza, disse que a decisão desta terça já era esperada. "O que se tentou aqui foi a extensão da absolvição”, disse. Segundo ela, um dos policiais que deu um tiro chegou a ser condenado por mais de 70 mortes no ano passado, antes da anulação do julgamento.
Ieda, que defende os policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) que entraram no Carandiru, e o advogado Celso Vendramini, que atua na defesa dos agentes do Comando de Operações Especiais (COE) e Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), tiveram 15 minutos cada um para pedir a absolvição de seus clientes.
“Não há como nós julgarmos os policiais [novamente]”, chegou a dizer Vendramini na sua sustentação oral, que foi acompanhada pela imprensa.
Dos 77 policiais que haviam sido condenados no massacre do Carandiru, apenas um está preso, mas por outro crime (o assassinato de seis travestis).
Como o caso segue sob segredo de Justiça, os nomes dos 74 réus não foram ditos no TJ, segundo a assessoria do órgão. Quando foram condenados, os policiais receberam penas que variavam de 96 a 624 anos de prisão. Somadas, elas chegavam a 20.876 anos.
Massacre
Segundo a Promotoria, uma briga entre grupos rivais de presos deu início a uma rebelião no pavilhão 9 do Carandiru em 2 de outubro de 1992. O então comandante da Tropa de Choque da Polícia Militar, coronel Ubiratan Guimarães, entrou na Casa de Detenção com seus comandados armados com fuzis, metralhadoras e revólveres.
À época, o governador de São Paulo era Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), e o secretário da Segurança Pública era Pedro Franco de Campos.
Em 8 de março de 1993, o MP acusou 120 PMs de homicídio, tentativa de assassinato e lesão corporal cometidos contra 111 presos. Não houve registro de policiais mortos. Os agentes alegaram que atiraram para se defender dos detentos que estariam armados.
Em março de 1998, 85 PMs se tornaram réus no processo que apura os assassinatos. Um deles é o coronel Ubiratan, que foi condenado em 29 de junho de 2001 a 632 anos de prisão por 102 mortes. Mas em 2006, a defesa do oficial afastado recorreu, e o TJ-SP o absolveu. No mesmo ano, o coronel foi morto – sua namorada, Carla Cepollina chegou a ser acusada do crime, mas foi inocentada em 2012.
Portal G1