Um dos objetos mais emblemáticos que o estudante de psicologia Bruno Borges, de 24 anos, deixou em seu quarto antes de desaparecer no último dia 27 de março, em Rio Branco (AC), foi uma estátua do filósofo Giordano Bruno (1548-1600) - réplica da que existe no Campo de Fiori, em Roma.
O artista plástico Jorge Rivasplata (com Borges na foto), de 83 anos, autor da obra, disse ao G1 que acredita que Bruno seja a reencarnação do filósofo - queimado durante a inquisição - e tenha completado a obra dele.
"A maioria não entende, mas eu o conheço há muito tempo. Dá para acreditar que foi reencarnado Giordano Bruno nele. Não posso contar mais, a única coisa que posso dizer é que já terminou os livros que ele [Giordano] deixou inconcluso. Queria falar ao seu pai e mãe que não se preocupem, ele está bem e vem apresentar ao mundo esse projeto lindo, fantástico", disse o escultor - que negou saber o paradeiro de Bruno.
A escultura de mais de dois metros foi entregue no dia 16 e finalizada pelo próprio artista dentro do quarto de Bruno. O estudante também deixou no local 14 livros extremamente organizados, escritos à mão. Alguns deles foram copiados nas paredes, teto e no chão. Todas as obras foram criptografadas.
Rivasplata diz que a estátua foi preenchida com espuma, madeira, cascalho e cimento para que ficasse mais pesada e, dessa forma, não pudesse ser movida. O artefato não foi "chumbado" no chão para evitar que os símbolos fossem danificados. "Não é presa, mas é bem pesada para que não seja tirada do lugar", explica.
O sumiço é investigado pela Polícia Civil do Acre, mas o caso está em sigilo. O delegado Fabrizzio Sobreira, coordenador da Delegacia de Investigação Criminal (DIC), informou que todas as possibilidades ainda estão sendo consideradas para apurar o paradeiro do acreano.
Rivasplata conta que Bruno foi aluno dele em um curso de desenho e pintura, e posteriormente fez a encomenda. Foram dois meses para ela ser concluída. Avaliada em pelo menos R$ 20 mil, o artista diz que acreditou nas ideias de Bruno e, por isso, cobrou R$ 7 mil.
"Ele se destacou. É muito inteligente, superdotado. Ele viu meu trabalho, gostou e me deu um livro sobre o Giordano. A estátua ficou no fundo da minha casa, Bruno veio buscar em uma caminhonete. Depois fui chamado para terminar, para fixar onde deveria ficar", conta.
Uma das últimas pessoas a conversar com o estudante sobre o projeto, o artista afirma que não sabia sobre o plano dele de sair de casa. Ele acredita que os escritos de Bruno são a conclusão das teorias defendidas pelo próprio Giordano, trabalho que foi interrompido por sua morte na fogueira por meio da Inquisição, em 1600.
Depois de fixada a escultura no quarto, Rivasplata entrou em contato com Bruno para perguntar o que ele havia achado da obra. A última vez em que se falaram foi por meio de mensagens de celular. "Ele respondeu: 'a estátua está perfeita, melhor impossível. Estou extremamente satisfeito, mestre Rivas. Logo a apresentaremos ao mundo. Esse trabalho o Acre vai conhecer, o Brasil e o mundo'", disse.
"Quem trabalha para si, sua obra não serve para nada, vai para a tumba. Quem trabalha para a humanidade fica perpetuado para toda a vida. A obra dele [de Bruno Borges] é para outros, não é para ele", diz o artista.
Giordano Bruno - Filósofo, matemático, astrônomo, poeta e teólogo – seu currículo é maior que uma nota fiscal de compra do mês. O frade italiano nascido em 1548 entrou para a história após questionar abertamente crenças fundamentais da Igreja Católica, como a existência de céu e inferno, a danação eterna e a concepção de Cristo por uma mulher virgem.
Bruno também era uma espécie de herdeiro intelectual do heliocentrismo de Nicolau Copérnico, e não se limitou a concordar que a Terra é que dava voltas em torno do Sol – o que na época, por si só, era o suficiente para morrer na fogueira dos tribunais eclesiásticos. Observando o céu, foi além e concluiu que as estrelas não eram só pontos de luz, mas outros “sóis” muito distantes. Cada um teria seu próprio conjunto de planetas girando em torno de si, e qualquer um desses corpos poderia abrigar vida – doutrina visionária que ganharia o nome de “pluralismo cósmico”.
Na obra A Causa, o Princípio e o Uno, ele diz: “o universo é, então, uno e infinito (…) Não é possível compreendê-lo e ele não tem limites. Nesse sentido, ele é indeterminável, e consequentemente imóvel.” Em Sobre o Infinito do Universo e os Mundos, Bruno também afirma que outros planetas “não têm menos virtude nem uma natureza diferente da de nossa Terra”, e, como ela, “contêm animais e habitantes.” Por trás de sua visão de infinito estava o panteísmo: a crença de que Deus não é uma figura metafísica separada do universo palpável, mas que ambos estão em completa identificação e são, no fundo, a mesma coisa.
O filósofo, apesar da perseguição, chegou a lecionar Aristóteles na Universidade de Halle-Wittenberg, uma instituição de ensino alemã luterana – os protestantes, fiéis a seus princípios de livre interpretação da Bíblia, toleraram sua subversão teórica por mais tempo que católicos tradicionais.
Ele foi queimado em 1600, e se tornou um mártir dos iluministas no século 19. Até hoje é símbolo da liberdade de pensamento e expressão, e suas ideias estão na vanguarda da astronomia contemporânea: o telescópio Kepler, lançado pela Nasa em 2009, já identificou mais de 2,3 mil dos mundos distantes que habitavam os sonhos de Giordano Bruno. No ano passado, o Observatório Europeu do Sul (SEO) anunciou a descoberta de Proxima B, exoplaneta com temperaturas médias de 30º e água líquida – e um forte candidato a abrigar vida como a conhecemos.
Com informações do Portal G1 e da Revista Superinteressante