A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, dia 26, a reforma trabalhista do Governo Michel Temer (PMDB). O projeto de lei que faz a maior alteração nas regras envolvendo patrões e empregados em sete décadas foi aprovado por 296 votos a favor e 177 contra. A proposta será enviada ao Senado Federal depois que os deputados aprovarem os destaques que ainda precisam ser analisados. A expectativa do Governo é que ainda no primeiro semestre deste ano a reforma também seja aprovada pelos senadores. O placar é considerado um termômetro para outra votação estratégica: na próxima semana, o embate, bem mais difícil, será em torno da reforma da Previdência. Para aprovar alteração nas aposentadorias da grande maioria dos trabalhadores brasileiros serão necessários mais do que a maioria simples desta quarta, ou 308 votos da maioria qualificada em dois turnos de votação.
A fácil vitória da base aliada do peemedebista foi marcada por uma tumultuada e demorada sessão. Foram mais de dez horas de debates. Sem votos para rejeitar a proposta, a oposição tentou obstruir a votação de todas as maneiras. Fez uma série de protestos, com cartazes, faixas, cruzes e caixões de papelão tentando mostrar que as alterações representam “a morte” da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Uma das discussões durante a sessão foi a de não deixar a votação ser nominal. Ou seja, os deputados da base de Temer queriam uma votação simbólica, sem que os nomes dos parlamentares aparecessem como voto favorável ou contrário ao projeto. O temor era serem vítimas dos manifestantes que convocaram a greve geral para a próxima sexta-feira, dia 28, tanto contra a reforma trabalhista como a da Previdência. A mobilização que cresce em adesão tenta transformar em resistência ativa a impopularidade do presidente Temer - sua aprovação caiu a apenas 4% segundo o instituto Ipsos - e será um teste para a capacidade das ruas de influenciarem as decisões do Congresso nas próximas semanas.
A reforma trabalhista, se aprovada no Senado, acabará com a contribuição sindical obrigatória, determina que o que for negociado entre patrões e empregados prevalece sobre a legislação e dificultará o acesso dos servidores à Justiça do Trabalho. O texto cria uma jornada intermitente de serviço, regulariza o home office e exclui os sindicatos das homologações de demissões, entre outros tópicos. Assim como no Congresso, o proposta contrapõe especialistas no assunto. "A reforma como um todo foi olhada sob um viés do empregador, com coisas boas e ruins para a sociedade. Mas o problema é que não conseguimos ter um debate forte sobre o tema. Foi uma reforma açodada. Não há dúvidas que os trabalhadores saem perdendo", disse Ricardo Guimarães, mestre em direito do trabalho e professor da PUC- SP. Já Adauto Duarte, conselheiro do Instituto Via Iuris de Direito do Trabalho, elogia: "Sob a ótica do direito coletivo achamos a proposta muito equilibrada, porque a prevalência do acordo sobre o legislado já tinha sido dada pelo STF. A novidade é a lista do que não pode ser negociado. De um lado protege o trabalhador e do outro, para quem negocia (seja sindicatos ou empresas) aumenta a segurança jurídica. As regras ficam mais claras".
Sala de aula descontrolada
Em vários momentos, o plenário da Câmara parecia uma sala de aula em que o professor não tinha o mínimo controle sobre os estudantes indisciplinados. Ninguém escutava o orador, vaias eram ouvidas a todo momento e Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Casa, se cansou de pedir respeito, sen êxito. Os gritos de Fora Temer eram constantes no plenário. O deputado Assis Melo (PCdoB-RS) chegou a usar um uniforme de metalúrgico, que é a sua profissão original, e foi repreendido por Maia enquanto protestava contra a reforma. A lógica do presidente da Câmara é que o regimento interno da Casa prevê que os parlamentares têm de usar traje passeio completo, ou seja, terno e gravata.
Os opositores à gestão Temer repetiram à exaustão que as mudanças nas leis trabalhistas retiram direitos dos trabalhadores. Por outro lado, os aliados do Governo defendiam que as alterações modernizam a legislação e facilitarão a criação de emprego quando vier a retomada econômica. O líder da oposição, José Guimarães (PT-CE), disparou: “Só faltou um artigo neste projeto de lei: está revogada a CLT a partir desse momento”. Ao que o deputado Nogueira respondeu: “Nenhum direito foi revogado. A reforma quer garantir igualdade para todos os trabalhadores brasileiros”.
Enquanto os debates se intensificavam, lobistas vinculados a sindicatos patronais e laborais transitavam entre os deputados no plenário pedindo que vários deles apresentassem emendas parlamentares ao projeto, algo similar ao que ocorreu na comissão especial que debateu o tema, na terça.
Um levantamento feito pelo site The Intercept Brasil concluiu que entre os principais interessados nessa reforma trabalhista estavam entidades que representam bancos, indústrias e o setor de transportes. O jornal online examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial. Dessas propostas, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). O relator, Rogério Marinho (PSDB-RN), segundo a reportagem acatou 52,4% das emendas. Na terça-feira, o EL PAÍS mostrou que lobistas da CNI municiavam deputados da comissão com algumas dessas emendas.
Defecções e cuidado redobrado
Apesar do placar expressivo, os principais partidos da base do Governo, que representam 313 votos, registraram 57 traições. Nenhuma dessas legendas votou totalmente fechada com a gestão Temer. Apenas para ficar nos maiores, que têm representantes em ministérios: dos 59 deputados votantes do PMDB, sete foram contra a reforma trabalhista. No PSDB, os números foram 44 votantes, um contrário. No PP, 43 votos, sendo nove contra. No PR, foram 7 defecções entre os 35 deputados. No PPS, três dos nove legisladores foram contrários. No PSB, 16 dos 30 parlamentares estiveram contra Temer. No PSD foram cinco dos 34. E no PTB, quatro entre 17.
Foi tendo como pano de fundo esse cenário que Temer quis se cercar de cuidados para garantir o resultado. Exonerou quatro de seus ministros que são deputados federais para não ter o risco de ter quatro votos a menos entre sua própria base. Retornaram à Câmara os ministros da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (PSB-PE) e do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS).
O retorno de Nogueira foi cercado de simbolismo. Afinal, como ministro do Trabalho, ele queria dar o peso de seu cargo para dizer ao trabalhador que seus “direitos serão preservados”. Além disso, sua exoneração retirou o voto de Assis Melo, o deputado comunista que protestou usando o uniforme de metalúrgico. Melo é suplente de Nogueira na Câmara e a volta do ministro o retirou da lista de deputados.
A mesma medida, de exonerar os ministros, será adotada por Temer na semana que vem, quando até 13 ministros podem voltar ao Legislativo para votar a reforma da Previdência, na terça e na quarta-feira. Os dias de agenda frenética no Congresso estão só começando.
El País