A Duma, câmara baixa do parlamento russo, aprovou, em terceira e última leitura nesta sexta-feira (27/01), por 380 votos a 3, uma lei que despenaliza a violência doméstica em casos em que a agressão não cause traumatismo sério ou que a violência não seja repetida em um prazo de 12 meses.
A lei envolve emendas no Código Penal, segundo as quais "a agressão em relação a pessoas próximas" são excluídas da lista de crimes. Assim, as ações que "infligem dor física, mas não causam lesões corporais graves" serão classificadas como transgressão administrativa.
Só quando o agressor voltar a agredir o mesmo familiar poderá ser processado pela via penal e castigado com a prisão, e somente quando o agredido conseguir demonstrar os fatos, porque a Justiça não atuará de ofício nestes casos.
"As vítimas deverão reunir elas mesmas todas as provas da agressão e comparecer a todas as audiências nos tribunais para prová-lo. É absurdo que não se atue de ofício. O agredido deve investigar seu próprio caso", explicou à Agência Efe a advogada especializada em violência de gênero Mari Davtian.
"Na prática, 90% dos denunciantes acabam não indo aos tribunais, porque o procedimento é muito embaraçoso e porque o agressor é alguém do ambiente mais próximo, que quase sempre compartilha o lar com sua vítima", acrescentou.
Os autores da iniciativa – duas deputadas e duas senadoras da Rússia Unida, o partido do presidente russo, Vladimir Putin – argumentam que apenas querem descriminalizar casos em que não sejam causados dano à saúde das vítimas.
A medida ainda deve ser aprovada por Putin, que se mostrou favorável às emendas. "A descarada ingerência na família pela justiça é intolerável", disse o presidentehá um mês em sua entrevista coletiva anual, ao responder a uma ativista que lhe perguntou sobre a conveniência de acabar com uma lei que permite "prender um pai por causa de um tapa no traseiro que a criança mereceu". O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, também declarou que conflitos familiares “não constituem, necessariamente, violência doméstica”.
O deputado Yuri Sinelshchikov, por outro lado, criticou o projeto, afirmando que a nova legislação incentivaria a violência doméstica. “Esse projeto estabelecerá a violência doméstica como uma conduta normal”, lamentou.
O presidente da Duma, Viacheslav Volodin, considerou inaceitável as pressões por parte do Conselho da Europa, que se dirigiu por escrito a ambas as câmaras do Parlamento russo para expressar sua preocupação.
A lei russa previa penas especiais para quem agredisse a esposa ou os filhos, por considerar que as vítimas são pessoas em situação de fragilidade que muitas vezes não têm como reagir nem escapar da violência. No entanto, com as emendas, o agressor responderá civilmente com uma multa de 30.000 rublos (US$ 502), serviço comunitário ou uma detenção de 15 dias.
Uma pesquisa realizada por telefone com 1,8 mil cidadãos da Rússia entre os dias 13 e 15 de janeiro descobriu que 19% dos russos acreditam que "seja aceitável” bater na esposa, marido ou filho “em certas circunstâncias”.
De acordo com estatísticas do próprio governo russo, 40% de todos os crimes violentos são cometidos no núcleo familiar. No total, 36 mil mulheres apanham de seus parceiros a cada dia e 26 mil crianças apanham de seus pais a cada ano no país.
Opera Mundi