Após mais de cinco horas fechados na Câmara de Conselho, a corte do Tribunal de Roma, presidida pela juíza Evelina Canale, decidiu nesta terça-feira (17/01) condenar oito ex-presidentes e militares sul-americanos à prisão perpétua por assassinatos de cidadãos de origem italiana cometidos entre 1973 e 1980, período de atuação da Operação Condor. Ao mesmo tempo, absolveu os outros 19 acusados, entre eles o uruguaio José Nestor Troccoli, militar responsável pelos interrogatórios da Fusna (Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai). A corte tem 90 dias para depositar a motivação da sentença.
Ao final da leitura, um silêncio ensurdecedor pairava no ar. “Espere um minuto, por favor”, era a frase mais ouvida por jornalistas ao pedir declarações aos advogados dos réus e aos promotores Giancarlo Capaldo e Tiziana Cugini. “Vamos esperar a publicação da motivação da sentença para decidir o que fazer, se entrar com recurso ou não”, disse Capaldo a Opera Mundi. Nesta manhã, o procurador já se dizia preocupado, visto a importância do processo e a dificuldade de entendê-lo. “O quadro histórico é complexo, são 25 vítimas mortas ou desaparecidas em diversos lugares, em países diferentes, com regimes diferentes”, disse então.
Assim como o procurador, familiares de vítimas de Troccoli, incrédulos, contestaram o veredito. “Eu tenho todo o direito de contestar o governo uruguaio, que declarou sentir muito pela decisão da corte”, disse María Victoria Moyano Artigas. Seus pais, Alfredo Moyano e María Asunción Artigas, eram militantes do movimento Tupamaros, foram sequestrados em Buenos Aires e continuam até hoje desaparecidos. Ambos estavam entre as vítimas de Troccoli.
A única pessoa que parecia satisfeita com a sentença era Francesco Guzzo, advogado de Troccoli. “Estava muito confiante”, disse. Troccoli e os demais foram absolvidos porque a corte entendeu que não havia provas suficientes para incriminá-los.
“O que aconteceu aqui foi algo incrível. A corte condenou a cúpula dos países envolvidos na operação Condor, reconhecendo a sua existência e modo de operação; condenou quem comandou, mas não quem praticou os crimes. É como se o tribunal de Nuremberg condenasse somente Adolf Hitler pelos crimes cometidos na Alemanha nazista, deixando de fora os oficiais da SS”, declarou Andrea Speranzoni, um dos advogados das vítimas. “As provas existem, estavam lá [no processo]”, afirmou.
Speranzoni citou alguns pontos que ele acredita que podem ter prejudicado o processo: “passaram muitos anos desde que os crimes ocorreram, a justiça de transição na América Latina é problemática, são feitos esforços enormes para apresentar provas que quem tem o poder, não quer que sejam apresentadas.” Para o advogado italiano, essa é a justiça possível que o atual momento histórico permitiu. Ele também menciona o peso político que, acredita, pesou no caso. “Não podemos esquecer que a loja Maçônica P2 influenciou o mundo político italiano e sul-americano”, declarou.
Tido como um dos processos históricos contra generais sul-americanos, o julgamento que aconteceu na manhã desta terça-feira contou com a presença de políticos italianos, como Maria Elena Boschi, vice-secretária do Conselho de Ministros, além de embaixadores, diplomatas, representantes de partidos políticos e organizações não governamentais.
Foram condenados à prisão perpétua Luis García Meza Tejada, ex-presidente da Bolívia entre 1980 e 1981; Luis Arce Gómez, um de seus generais; Francisco Morales Bermúdez Cerruti, ex-presidente peruano entre 1975 e1980; Germán Ruiz Figueroa, ex-chefe dos serviços secretos do Peru; Pedro Richter Prada, ex-militar e político peruano; Juan Carlos Blanco, ex-chanceler do Uruguai; e os coronéis chilenos Rafael Ahumada Valderrama e Hernán Jeronimo Ramírez.
Ramírez foi um dos responsáveis pela prisão e sequestro de Omar Venturelli, ex-sacerdote ítalo-chileno que desapareceu no Chile em 4 de outubro de 1973. Ao menos sua filha, Maria Paz Venturelli, viu ser condenado o seu “monstro”, como havia chamado os réus nesta manhã.
Foram absolvidos os militares chilenos Pedro Octavio Espinoza Bravo, Daniel Aguirre Mora, Carlos Luco Astroza, Orlando Moreno Vásquez e Manuel Abraham Vásquez Chauan; o peruano Martín Martínez Garay; e os uruguaios José Ricardo Arab Fernández, Nino José Horacio Gavazzo, Juan Carlos Larcebeau, Pedro Antonio Mato Narbondo, Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina Blanco, Ernesto Avelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca, Jorge Néstor Troccoli, Gilberto Vázquez Bissio e Ricardo Eliseo Chávez.
O procurador Carlos Capaldo investigou por mais de 15 anos os crimes cometidos contra cidadãos de origem italiana durante a época de atuação da Operação Condor, uma rede de repressão política e troca de prisioneiros formada pelos serviços de inteligência das ditaduras do Cone Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai). Ao todo foram investigados 146 ex-militares: 61 argentinos, 32 uruguaios, 22 chilenos, 7 bolivianos, 7 paraguaios e 4 peruanos, além de 13 brasileiros — entre os quais estão os dois últimos presidentes do período militar, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1980-1985). Por vários motivos – mortes e falta de colaboração de alguns países, sobretudo – somente 33 foram processados. Em 27 de fevereiro, acontecerá a segunda audiência do processo Condor especificamente contra ex-agentes da ditadura brasileira.
Opera Mundi