“Hoje eu me sinto orgulhosa de estar aqui, porque em mil novecentos e antigamente teve a Guerra de Tejucupapo, onde as mulheres começaram a se unir, mas o mundo continuou dominado pelos homens. E hoje estamos aqui todas reunidas mais uma vez para conhecer e lutar pelos nossos direitos”, disse Dona Linda. Ela relembra a luta das mulheres de Tejucupapo, que em 1646 se muniram de água fervente e pimenta e enfrentaram 600 homens holandeses que chegaram para tomar de assalto as suas terras, no município de Goiana.
Trezentos e setenta anos depois, 40 mulheres de seis municípios da Zona da Mata Sul de Pernambuco se reuniram para participar da Escola Feminista da Zona da Mata Sul, durante os dias 11 e 12 de julho, no município de Rio Formoso. Após a edição da Escola que aconteceu no Agreste de Pernambuco, o Centro Sabiá se reuniu com o Centro das Mulheres do Cabo para desenvolver a escola com as mulheres atendidas pela Chamada Pública de ATER para Mulheres executada pelo Sabiá na Zona da Mata.
Num ambiente só de mulheres, elas puderam pôr para fora suas experiências e vivências sem medo de represálias, trocar conselhos e ideias. O que pôde ser ouvido foram exemplos de machismo vividos desde a mais nova idade, das imposições de uma sociedade machista e misógina.
“Não podia estudar, porque meu pai dizia que se aprendesse a ler ia mandar carta para namorado. Os pais de antigamente não valiam nada.”
“Meu pai não botava a gente na escola porque dizia que quando casássemos o dinheiro investido iria embora.”
Segundo Isabel Santos, do Centro das Mulheres do Cabo, o objetivo da Escola Feminista é empoderar as mulheres politicamente, trabalhando as dimensões que estão em suas próprias vidas, principalmente as dimensões de gênero e raça, que estruturam todas as relações sociais. “As próprias mulheres já trazem um conhecimento e uma história que nos ajuda a redimensionar essa história. Elas começam a ressignificar a própria vida. Começam a perceber como é que vão lidar com determinadas situações, a não aceitar mais essa questão da violência, que é muito forte. Uma coisa importante é mostrar para essas mulheres que elas podem mudar essa realidade a partir da realidade delas, educando seus filhos de forma diferente, se comportando de forma diferente, não aceitando mais aquilo que a sociedade impõe para nós quando nascemos. Acho que um dos pulos que as mulheres dão é justamente isso, se reconhecer enquanto sujeito político e ressignificar sua realidade”, diz Isabel, que facilitou esse primeiro módulo da Escola Feminista, com foco em Gênero e Acolhimento. Os próximos vão ser focados em História do Brasil - Questões de raça (II), Economia (III) e Feminismo (IV).
Muitas mulheres, porém, mesmo sem o acúmulo teórico, já compartilharam experiências de enfrentamento aos seus maridos e pais, corajosamente se impondo contra violências. É o caso de Dona Irene, que lutou para criar os filhos, estudar e trabalhar fora, além de ter que trabalhar em casa. “Eu nunca apanhei do meu marido, porque das duas vezes que ele veio eu peguei o machado e disse ‘bata em mim, se você é macho’. Ele não queria me deixar trabalhar, mas depois que me formei trabalhei 2 meses no hospital sem ele saber, dizendo que ia pro médico de manhã e à tarde. Fiquei 26 anos casada, mas juntando meu dinheiro e construindo minha casa. Me preparei durante 10 anos para poder me separar”, lembra ela.
Para Isabel, os resultados do curso são concretos, como mulheres que viviam em situação de violência e depois abrem mão de continuar com aquele companheiro, mulheres que não tiveram a oportunidade de estudar porque os pais não deixavam e passaram a estudar depois do curso, se formar e ter a sua própria independência financeira. “Tem um caso de uma menina do município de Escada que ela casou muito cedo, o marido nunca deixava ela estudar, depois que participou do curso ela resolveu terminar o ensino médio, fez um curso de cabeleireira, montou um salão pra ela e agora ganha seu próprio dinheiro. Ainda criou um grupo de mulheres lá em Escada e hoje ela é coordenadora desse grupo. Então hoje ela fala com o companheiro dela de igual para igual”, explica ela.
O curso também é sobre desconstruir a imagem que é passada pelo senso comum sobre o feminismo, de que as feministas são cabeludas, querem ocupar o lugar dos homens. “Para que no final do curso elas se descubram se são ou não feministas, ou se querem se tornar. Ao longo do curso elas vão poder perceber que ser feminista é isso que elas já fazem, é buscar direitos e querer direitos iguais”, finaliza Isabel.
Centro Sabiá