Kopenawa, de 60 anos, é atualmente o mais respeitado líder indígena brasileiro. O xamã (guia espiritual) e porta-voz yanomami é reconhecido no exterior como o “Dalai Lama da selva”, com frequentes participações em reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros fóruns internacionais. Recebeu o prêmio ambiental Global 500 da ONU e sua voz atrai ao seu território de 96 mil quilômetros quadrados, onde vivem cerca de 20 mil yanomamis, personalidades como o rei Harald, da Noruega, que o visitou em 2013, o ou ex-jogador de futebol David Beckham, que esteve com ele em março.
Kopenawa criou em 2004, e preside, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), com sede em Boa Vista, capital de Roraima. Antes lutou pela criação do Território Indígena (TI) Yanomami, com superfície maior do que Portugal, entre os Estados do Amazonas e de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Em 28 de julho, a HAY denunciou em um comunicado as intimidações que aumentaram em junho contra seu líder, quando Góes, um de seus diretores, foi abordado na rua do município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, por garimpeiros ilegais que lhe deram uma clara mensagem de morte para Kopenawa.
Desde então “o clima de insegurança domina tudo”, garantiu Góes à IPS. Os garimpeiros cada vez penetram mais no território yanomami para explorar seu ouro, tanto no Brasil como na Venezuela, afetando um dos povos mais antigos do mundo. O TI Yanomami foi criado no contexto da Cúpula da Terra, em 1992, realizada no Rio de Janeiro, e foi durante a Cúpula Rio+20, realizada nessa cidade em 2012, que Kopenawa ganhou grande protagonismo no cenário local, onde antes era menos conhecido do que no exterior.
“Davi é uma pessoa muito preciosa para o Brasil, mas alguns o veem como inimigo. É um pensador e guerreiro, que faz parte da identidade brasileira e que luta pelos direitos indígenas e do povo yanomami há mais de 40 anos”, disse a IPS o ativista Marcos Wesley, coordenador-adjunto do programa de desenvolvimento sustentável Rio Negro, do Instituto Socioambiental (ISA). Este rio, o mais caudaloso dos afluentes do Amzonas, cruza parte do território yanomami.
Kopenawa conseguiu, nos anos 1990, que 45 mil garimpeiros fossem retirados do TI Yanomami, recordou Wesley. “Ele e a Hutukara têm uma luta em comum e são os porta-vozes dos yanomami para suas denúncias. Imagino que há gente descontente com o bem-estar dos ynomami e que sofreu perdas econômicas”, acrescentou.
“Estamos atentos, há sinais ameaçadores que nos deixam alertas. Estamos trabalhando com as portas fechadas. Duas pessoas armadas já procuraram Davi em Boa Vista. Inclusive ofereceram dinheiro para quem o identificasse. Nossa preocupação aumenta”, testemunhou Góes. O diretor da HAY explicou que “nossa vida está em risco e os idosos do nosso povo aconselharam David a se resguardar em sua comunidade”. Apesar da demarcação, as atividades clandestinas no TI Yanomami nunca cessaram. “Há muita gente invadindo a terra indígena pela mineração”, acrescentou.
Kopenawa provém da remota comunidade de Demini, uma das 240 que existem no TI. Ali só se chega em pequenos aviões ou após dez dias de navegação pelo rio. No dia 8 deste mês, a IPS conseguiu contatar o líder yanomami, minutos antes de viajar para sua comunidade, mas ele preferiu não falar da sua situação pelas ameaças. “Já falei tudo, não tenho mais nada a dizer. Neste momento, prefiro não falar mais. Só posso dizer que estou muito preocupado, junto com meu povo yanomami. O que tinha que falar já falei”, afirmou.
Cinco dias antes, Kopenawa foi um dos convidados de honra da décima-segunda Festa Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro. Ali comentou a situação de violência contra seu povo, quando apresentou o livro A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. Ele afirmou que “os latifundiários e garimpeiros têm muito dinheiro para matar um índio. A selva amazônica nos pertence. Ela nos protege do calor, é fundamental para que nossos filhos vivam em paz”.
Antes denunciou: “Eles querem me matar. Não faço o que o branco faz, que vai atrás de alguém para matar. Não interfiro em seu trabalho. Mas eles estão interferindo em nosso trabalho e em nossa luta. Continuarei lutando e trabalhando por minha gente. Porque defender o povo yanomami e sua terra é meu trabalho”.
Em seu comunicado, a HAY exige que a polícia investigue as ameaças e dê proteção oficial a Kopenawa. “A suspeita é que as ameaças sejam uma represália ao trabalho dos yanomami, em conjunto com agências governamentais, para investigar e desarticular as redes de mineração no TI Yanomami nos últimos anos”, afirma.
Kopenawa e a HAY fornecem à Polícia Federal (PF) mapas de locais e pontos geográficos, e informações de aviões e pessoas que circulam por seu TI. Essas denúncias permitem operações contra garimpeiros e invasores agropecuários, como o último de grande alcance, em fevereiro. Segundo a PF, só em Roraima a mineração ilegal obtém US$ 13 milhões mensais e muito de seu lucro provém do território yanomami.
Góes destacou à IPS que os impactos da mineração sobre os povos indígenas transcendem o econômico. “Desequilibra a cultura e a vida dos yanomami, gera dependência de objetos e alimentos industrializados e artificiais. Muda toda a visão de mundo dos yanomami. A mineração também gera muita contaminação nos rios”, lamentou.
“Sabemos que, infelizmente, temos no Brasil um alto índice de violência contra líderes indígenas e de movimentos sociais. A impunidade reina. Davi é um guerreiro e, seguramente, não se intimidará com essas ameaças. Ele acredita em sua luta, na defesa de seu povo e do planeta”, ressaltou Wesley.
No Brasil não há um programa específico de proteção de indígenas ameaçados. Representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) disseram à IPS que foi recebido um pedido de proteção de Kopenawa e outros dirigentes da HAY, que foi levado ao Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial para o tema da Presidência da República. Mas disseram que, para ser protegido, o líder yanomami deve confirmar que assim deseja, e espera-se sua resposta a respeito.
O Brasil, de 200 milhões de habitantes, tem 896.917 indígenas, segundo o censo de 2010.
Brasil de Fato