Ativistas contrários ao Projeto Novo Recife, previsto para ser construído no Cais José Estelita, zona sul do Recife, promovem um abaixo assinado através da plataforma Change.org, solicitando que o espaço seja para projetos que beneficiem a população e não apenas um grupo empresarial. Segundo os organizadores, "Social e urbanisticamente pernicioso, viola várias exigências legais, como a ausência de estudos de impacto. Nos tribunais, duas ações populares e duas ações civis públicas estão denunciando irregularidades". O abaixo-assinado, promovido pela comunidade Direitos Urbanos, está sendo remetido para o prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB). Para assinar, clique aqui
Veja, na íntegra, a carta endereçada ao prefeito:
Exmo. Sr. Geraldo Júlio, Prefeito da Cidade do Recife,
O Recife é de toda a gente. Nossa cidade tem enorme potencial urbano, econômico e
turístico, com história e patrimônio de imenso valor. No entanto, seu desenvolvimento segue um
modelo urbanístico equivocado que gera a falsa ideia de progresso. De maneira desordenada,
multiplicam-se as ruas sem pedestres, em áreas de grande adensamento, com tráfego
congestionado e tecido urbano que nada agrega ao bem-estar da população. Há um zelo excessivo
pelo espaço privado em detrimento do espaço público, reproduzindo a “negação da rua”.
Sem se levar em conta a relação entre desenvolvimento urbano e mobilidade, segurança
pública, sustentabilidade e preservação da paisagem cultural, renuncia-se à visão coletiva de cidade
e se age com objetivos imediatistas em benefício exclusivo da atividade construtiva.
O urbanismo exige, além de transporte coletivo acessível e de qualidade, a garantia de
diversidade de usos e infraestrutura que estimulem a caminhada e o uso da bicicleta. A mistura
social e de usos aumenta a segurança das ruas, otimiza a mobilidade e estimula a atividade
econômica. No Recife, entretanto, edifícios com uma única função, sejam residenciais ou
comerciais, com gabaritos exagerados para a infraestrutura do entorno, quadras sem
permeabilidade e calçadas estreitas e deterioradas são fatores que geram fluxos desnecessários de
carros, esvaziam os espaços públicos e retiram as pessoas da rua, favorecendo a insegurança.
É imprescindível que a cidade preserve sua paisagem cultural e a capacidade de acolher
bem os habitantes e os visitantes. Afora as perdas que uma mobilidade ineficiente impõe à
economia local e à competitividade, a qualidade de vida é fator fundamental na decisão de instalar
um negócio ou fixar moradia na cidade, ou na escolha do destino turístico, atividade para a qual o
Recife tem vocação ainda mal aproveitada.
Se o Recife almeja ser um polo de inovação tecnológica e de sustentabilidade deve rever
seus conceitos de desenvolvimento e a forma como vem conduzindo os procedimentos
administrativos de aprovação de projetos urbanísticos e arquitetônicos.
Para tanto, é imprescindível que o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) - fórum que,
entre outras atribuições, é responsável pela aprovação de projetos de impacto - cumpra a missão
de zelar pelo interesse da coletividade.
Nesse contexto, merece destaque o Projeto Novo Recife, que pretende construir 12 torres
de até 45 andares no Cais José Estelita, situado no histórico Bairro de São José. Profundamente
preocupada com as consequências de um projeto de tal magnitude, a sociedade iniciou
mobilização a fim de obter informações e buscar, por meio da participação popular, a solução mais
adequada ao bairro e a toda a cidade.
Em dezembro de 2012, foram impetradas duas ações populares por representantes do
Fórum Direitos Urbanos contra a Prefeitura, denunciando irregularidades na composição do CDU.
Por sua vez, os Ministérios Públicos Estadual (MPPE) e Federal (MPF) também instauraram
investigação sobre o caso.
Foram concedidas liminares em ambas as ações. A primeira suspendeu a discussão do
projeto no dia 21/12/2012. A segunda foi descumprida em nova reunião, na semana seguinte, pela
Secretária de Assuntos Jurídicos e pela Secretária de Controle Urbano e Obras, sob o argumento de
que havia sido cassada. Na realidade, apenas a primeira liminar havia sido cassada. Portanto, a
reunião do dia 28/12/2012, a votação e a aprovação do projeto Novo Recife foram realizadas em
desobediência a uma ordem judicial válida e não impugnada por nenhuma instância.
Paralelamente, o MPPE e mais recentemente o MPF ajuizaram ações civis públicas
enumerando as ilegalidades do empreendimento, havendo, ainda, outras questões que podem ser
objeto de questionamentos judiciais.
Assim, dentre as ilegalidades do Projeto Novo Recife, destacam-se:
1) Ausência de plano urbanístico para a área do Cais, exigido pelos art. 193 e 194 do Plano Diretor
da Cidade do Recife, Lei Municipal n° 17.511/08, e pela Lei Municipal nº 16.550/00, que institui a
Área Temporária de Reurbanização do Cais José Estelita, segundo a qual não é permitido o
protocolo de qualquer projeto antes da elaboração do plano urbanístico para os seus 15,62
hectares;
2) Inexistência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, obrigatório por força do art. 225, §1º, IV, da
Constituição Federal, pelo art. 61 da Lei Municipal nº 16.176/96, Lei de Uso e Ocupação do Solo da
Cidade do Recife, pelo art. 10º da Lei Municipal nº 16.243/96, Código do Meio Ambiente e do
Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife;
3) Inexistência de Estudo de Impacto de Vizinhança, cuja obrigatoriedade é determinada pelos arts.
36 e 37 do Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257/01) e pelo art. 188, § 2º do Plano Diretor do
Município;
4) Ausência de parcelamento prévio do imóvel, em violação ao art. 186 da Lei Municipal nº
16.292/97 e ao art. 1°, §1°, do Decreto Municipal nº 23.688/08, que determinam que o
parcelamento é requisito prévio e imprescindível ao protocolamento do projeto inicial, à formação
do processo administrativo e à inscrição imobiliária do imóvel. Assim, no momento da formação
dos processos administrativos, não estavam registrados e nem mesmo definidos os lotes, situação
que perdura até hoje;
5) Ausência dos pareceres obrigatórios do IPHAN, ANAC, DNIT e ANTT, pois, de acordo com o art.
271 da Lei de Edificações e Instalações, Lei Municipal nº 16.292/97, “os processos que dependam
da anuência prévia ou parecer do órgão de outras esferas de governo só poderão ser aprovados,
pelo Município, quando o interessado cumprir as exigências emanadas daqueles órgãos”.
6) Violação dos art. 86 e 89 do Código de Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do
Recife, Lei nº 16.243/96, segundo os quais os “pontos de contatos visuais entre a cidade e a
paisagem distante, os remanescentes da paisagem natural próxima que constituam áreas de
interesse ecológico, turístico e outros pontos focais notáveis terão seu descortino assegurado.”
É grave dar continuidade ao processo como se apresenta, pois questões jurídicas precedem
questões urbanísticas. Se o processo de análise é nulo, não há base para se discutir a aprovação da
proposta nem mitigações. Não ignoremos a oportunidade de assegurar a integração daquele
trecho, tanto do ponto de vista social quanto paisagístico, fazendo do Recife uma cidade melhor.
Convidamo-lo, Senhor Prefeito, a colocar-se ao lado do povo e passar da condição de réu
dessas ações populares à condição de autor, faculdade prevista no § 3º do art. 6º da Lei de Ação
Popular, Lei n. 4.717/65, para atender à moralidade administrativa, aos princípios constitucionais da
participação popular e da legalidade nos procedimentos administrativos relativos às questões
urbanas, descumpridos pela última gestão. É anseio da coletividade impedir que o patrimônio
ambiental seja apropriado para o benefício exclusivo de alguns poucos, em detrimento da maioria.
Para garantir que os erros da gestão anterior não prejudiquem a população ou os
empreendedores envolvidos, cabe à sua gestão reconduzir o processo, buscando alternativas
pautadas pela ética e pelo respeito à vontade popular. Este é o momento para retomar o papel do
poder público de mediar interesses, reequilibrando os pesos e visando ao bem coletivo.
Reivindicamos que se proceda à anulação do processo de análise do Novo Recife e que se recomece
com base num plano urbanístico. Por meio de uma operação urbana democraticamente construída,
será possível garantir potencial construtivo até superior ao previsto no Plano Diretor, desde que
submetido a um desenho urbano adequado, com visão abrangente sobre o entorno.
Acreditamos na importância da intervenção urbanística no Cais José Estelita. A
incorporação imobiliária pode ser saudável para a área, desde que orientada pelo poder público,
atendendo aos anseios e necessidades de longo prazo de toda a população recifense.
Diante de todo o exposto e pelo bem da cidade do Recife, nós, abaixo assinados,
PLEITEAMOS:
1) Quanto ao processo de planejamento e análise do desenvolvimento urbano do Recife:
I - prioridade ao pedestre e ao transporte coletivo, aos espaços públicos, ao incentivo do uso misto
e à preservação dos patrimônios histórico, ambiental e paisagístico do Recife;
II - regulamentação, por iniciativa do Poder Executivo, dos instrumentos do Estatuto da Cidade,
suprindo omissão de mais de dez anos, e revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife,
prevista pelo Plano Diretor;
III - transparência e participação popular nos projetos urbanos, por meio de divulgação antecipada
de informações, audiências, debates e consultas públicas;
IV - Estudos de Impacto Ambiental e de Vizinhança em todas as hipóteses exigidas por lei,
acompanhados da participação popular, sobretudo de audiências públicas, e que sejam analisadas
e incorporadas ao projeto as contribuições por parte da sociedade.
2) Quanto ao Conselho de Desenvolvimento Urbano:
I - que cumpra a sua missão de fórum de discussão participativa e volte a funcionar como instância
consultiva;
II - que os projetos de impacto sejam apreciados pelo CDU também de forma preliminar, deixando
claras as finalidades e consequências esperadas para a cidade;
III - que seja reformulada a composição do conselho, passando a proporção de seus membros a ser
de 60% da sociedade civil e 40% do Poder Público;
IV - que seja instituída a alternância de sua Presidência, de forma que o mandato seja exercido
durante um ano por membros do Poder Público e, no segundo ano, por membros da Sociedade
Civil;
V - que seja renovado o cadastro da Sociedade Civil a cada dois anos.
3) Quanto ao bairro de São José e ao Cais José Estelita:
I - que o Senhor Prefeito passe à condição de autor das ações populares que denunciam a violação
da moralidade e da legalidade administrativas no funcionamento do CDU;
II - revisão dos procedimentos da gestão anterior referentes ao Projeto Novo Recife, anulando-se as
etapas irregulares e ilegais;
III - definição de prazo para a elaboração do plano urbanístico para toda a área do Cais, conforme
exigido pela Lei Municipal nº 16.550/00 e pelo Plano Diretor;
IV - exigência de Estudo de Impacto de Vizinhança e de Estudo de Impacto Ambiental;
V - que o projeto só volte a ser analisado pelo CDU após todos os estudos e procedimentos exigidos
pela legislação, elaboração do Plano Urbanístico, e consideradas e respondidas as sugestões e
críticas da sociedade civil em audiências públicas.
Este é um momento de tomada de decisões que vão repercutir no futuro. Seu nome, Senhor
Prefeito, vai inscrever-se na história do Recife de uma forma ou de outra. Reiteramos o convite para
que opte pelo desenvolvimento urbano sustentável, tornando seu nome referência no processo de
reordenamento do Recife, marcado pela inclusão e orientado pelos princípios democráticos.