Dois meses depois dos protestos que pararam as ruas de todo o País, a Câmara deu mostras de que esqueceu a agenda positiva e manteve na noite de quarta-feira o mandato do deputado Natan Donadon, que foi condenado por formação de quadrilha e peculato, e está preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Numa sessão que foi esticada para tentar recolher o maior número de votos, faltaram 24 votos para cassar o mandato do deputado. Foram 233 a favor da cassação, 131 contra e 41 abstenções. Eram necessários, no mínimo, 257 votos. Donadon, que foi autorizado pela Justiça a se defender em plenário, ajoelhou-se e rezou, com as mãos para cima, logo após saber do resultado.
Apesar da vitória na votação, Donadon não poderá exercer o mandato. Dizendo-se constrangido com o resultado, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), mandou convocar o suplente de Donadon, Amir Lando (PMDB-RO), em caráter de substituição enquanto durar o impedimento do titular. Alegou que, por estar preso, Donadon não poderá cumprir as funções de parlamentar. Alves foi elogiado pelos poucos parlamentares que ainda estavam em plenário.
— Com plena consciência de parlamentar vivido, de quem viveu muitos episódios, digo que este foi um episódio mais constrangedor. Anuncio este comunicado ao plenário e ao país. Vou dar consequência à decisão do plenário. Em razão do cumprimento da pena em regime fechado, o considero (Donadon) afastado do mandato e convoco seu suplente — disse Alves.
Primeiro deputado condenado em último instância, Donadon saiu de camburão da Penitenciária da Papuda para fazer pessoalmente sua defesa no plenário da Câmara. Às 23h15m voltou para cadeia algemado no mesmo camburão, mas ainda com o mandato.
— Agradeço a Deus. A justiça está sendo feita — afirmou Donadon ao deixar o plenário.
A reação foi imediata.
— A Câmara dos Deputados está de luto — disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).
— É um terrível constrangimento. Devemos apressar a aprovação do voto aberto, para não salvarmos futuros deputados — disse Sérgio Zveiter (PSD-RJ), relator do processo e que pediu a cassação de Donadon.
Alves anunciou que só vai voltar a pôr outro processo de cassação em votação depois de aprovado o projeto que acaba com o voto secreto.
Quando chegou ao plenário, no início da sessão, Donadon adotou tom religioso. O deputado-presidiário evocou Deus, disse que não é ladrão e que nunca roubou um centavo. Diante dos olhares constrangidos de alguns colegas, o deputado, num longo discurso, descreveu sua situação na cela da Papuda, queixou-se da falta de água e do vaso sanitário. O parlamentar reclamou também que foi obrigado a seguir algemado do presídio para a Câmara e na parte de trás do camburão, e ainda chegou a mandar aos colegas um recado dos presos, que reclamam da qualidade da comida na penitenciária.
A votação começou às 20h30m. Incomodado com baixo quorum, Alves decidiu dar maior prazo para que os parlamentares comparecessem ao plenário e estendeu a votação até as 23h. Às 22h, o painel registrava 405 votantes. No início da sessão, 469 parlamentares tinham marcado presença. Até as 23h, ninguém mais votou.
Donadon saiu da Papuda com autorização da Vara de Execuções Penais de Brasília, assinada pelo juiz Ademar Vasconcelos. Quando foi agendada a votação em plenário, a Câmara formalizou um pedido ao juiz para ingressar na Papuda e notificar pessoalmente Donadon.
Nesse mesmo documento, Alves solicitou que o juiz, se julgasse possível, adotasse as providências cabíveis caso Donadon tivesse interesse em se defender pessoalmente. A sessão começou com a acusação do relator, Sérgio Zveiter. Ele disse que não era uma situação agradável:
— Foi uma ação criminosa, um assalto aos cofres públicos. Vivemos um momento histórico, e a sociedade tem o direito de impedir que essa impunidade se alastre.
Da tribuna, Donadon implorou para não tirassem seu mandato, alegando que sua família passa por dificuldades financeiras. Também acusou o MP de seu estado de só enviar ao STF provas que o condenavam, não as que o absolviam.
— Decidi vir aqui se fosse apenas para falar a verdade. A imprensa omitiu a verdade. Hoje se completam dois meses que estou preso e sendo tratado como um preso qualquer, um preso comum. Está difícil demais para mim passar por isso. Estou no isolamento, como se fosse de segurança máxima — disse Donadon.
Ele contou até que, para terminar o banho de ontem, precisou recorrer a garrafinhas de água de um colega preso:
— Tenho sofrido muito. É desumano o que um prisioneiro passa. Minha família tem sofrido. Esta é a primeira oportunidade de me defender. A imprensa foi sensacionalista e irresponsável. A verdade não interessa. Sou inocente.
Donadon é acusado de, em 1997, fazer parte de uma quadrilha que desviou mais de R$ 8 milhões quando era diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Rondônia.
— Uma acusação dessas, de 17 anos atrás, não tem cabimento. Nunca pratiquei um ilícito. Sempre fui zeloso com a coisa pública. Eu até ia trabalhar à noite, olhava folha por folha de muitos processos. Nunca roubei um centavo. É injusto. Nunca paguei serviço que não tenha sido realizado — disse Donadon.
O deputado afirmou, ainda, que quem foi condenado como chefe de quadrilha, na ação, pegou seis anos de cadeia:
— E eu, que era apenas um cooptado, peguei 13 anos. Um absurdo. Sou muito querido na minha terra.
Donadon fez um apelo final aos deputados:
— Amigos deputados, amo minha profissão, amo fazer política. Quantas pessoas culpadas estão soltas por aí?! Pelo mais sagrado, não desviei nada. Deus sabe que sou inocente. Não sou louco de pagar ninguém sem nota fiscal. Não sou ladrão, nunca roubei nada. Por favor, peço a esta Casa que me absolva. Esta Casa é independente. A verdade libertará.
Quando se esgotaram os 25 minutos a que Donadon tinha direito para se defender, o Henrique Alves pediu que ele encerrasse. Nesse momento, houve uma reação de parte dos deputados que estavam no plenário:
— Deixa ele falar! Deixa ele falar! — gritavam vários colegas.
— Pode falar então — acatou Alves.
Após o discurso, Donadon ficou num canto do plenário, cercado por familiares e alguns deputados. Comeu um sanduíche e tomou um suco. Com o plenário esvaziado, pediu a palavra de novo para transmitir recado dos presos da Papuda aos políticos.
— Pediram-me para falar sobre a alimentação, que é muito ruim. Peço às autoridades que olhem para isso. Lá não é marmitex. É chamado de xepa. Não é de boa qualidade. Eu também sinto isso, tenho síndrome de intestino irritado — disse.
No plenário, enquanto aguardava o resultado da votação, Donadon foi encorajado por colegas. O deputado Marcos Rogério (PDT-RO) disse a ele que não haveria os 257 votos necessários para a cassação de mandato:
— Não vai ter 257, vai ter muita abstenção. Você fez um estrago (com seu discurso). A Sueli Vidigal (PDT-ES) estava aos prantos ali atrás.
Antes da sessão, no plenário, o parlamentar foi se encontrar com a família, que estava numa das laterais do plenário. Ele abraçou a filha Rebeca e pediu perdão. Abraçou também o filho caçula, Nathan, que chorava muito. A mulher, Rosângela, e ex-assessores estavam presentes.
A Advocacia Geral da União (AGU) entrou ontem com ação de reintegração de posse do apartamento funcional da Câmara cedido a Donadon (sem partido-RO) e que ainda está sendo ocupado por sua família.
Poucas horas antes de Donadon ir ao plenário se defender, sua defesa entrou com mandado de segurança no STF pedindo que a Corte anule o ato da Mesa Diretora da Câmara que suspendeu seu salário, verba de gabinete e determinou também a devolução do apartamento.
Jornal O Globo