Na quarta-feira, a chegada das seleções da Espanha e do Uruguai foi marcada por engarrafamentos, protestos e acidentes que causaram transtorno para os moradores e para as equipes, que tiveram dificuldades para treinar, por causa das chuvas e do trânsito.
Inicialmente, a capital não estava prevista como sede, mas foi escolhida após a proposta do governador de Pernambuco Eduardo Campos -- candidato virtual à Presidência em 2014.
Em março, Campos afirmou que a cidade estaria pronta para a Copa das Confederações e que poderia entregar o terceiro estádio do torneio. A Arena Pernambuco foi a última das seis a ser entregue para o evento-teste da Copa do Mundo.
No material publicitário da cidade, a frase escolhida pelo governo estadual é "Recife vai marcar um golaço".
Movimentos de urbanistas da cidade, no entanto, discordam."Cautelosamente, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra", afirma Evanildo Barbosa da Silva, especialista em mobilidade urbana e representante do Comitê Popular da Copa em Recife.
"Passaram uma imagem de que as obras não impactariam o Recife, o que é uma inverdade. Não foi construído nada mais preventivo, nem foi feito um planejamento mais básico", afirma.
A socióloga Ana Paula Portela, uma das criadoras do grupo Direitos Urbanos do Recife, diz que a Copa das Confederações mostrou "o tamanho do problema" para os moradores. "Já acompanhávamos o impacto de grandes projetos na vida da cidade, mas a Copa dá uma dimensão maior das lacunas. De fato, muitas coisas que o governo dizia que estava fazendo, como o controle das obras de mobilidade e das vias da cidade, não foi feito".
Segundo Portela, os problemas com o trânsito são o "primeiro estrangulamento" em Recife. "No dia a dia é possível encontrar saídas para o trânsito, mas agora o governo tem que responder à agenda da Copa. E não vi resposta", critica.
"A cidade está parada. Recife já não anda e nos dois últimos dias está mais parada ainda."
Na manhã de sexta-feira, os motoristas de ônibus da capital fizeram uma paralisação de uma hora para reivindicar reajuste salarial. O protesto tinha como objetivo "dar um recado" à prefeitura, sem prejudicar os cidadãos. Mesmo assim, a manifestação provocou engarrafamentos em diversas áreas da cidade.
Um acordo de última hora evitou também uma greve dos metroviários de Recife, que poderia afetar o principal meio de transporte -- e único recomendado pela prefeitura -- para chegar à Arena Pernambuco.
Buracos no caminho
Em coletiva de imprensa na sexta-feira, jogadores da seleção uruguaia reclamaram do trânsito na cidade, que atrasou o treino e outros compromissos da equipe mesmo com a escolta de batedores. “O trânsito atrapalhou muito. Demorar uma hora e meia para ir e uma hora e meia para voltar não estava nos nossos planos. É muito desgastante”, disse o zagueiro uruguaio Diego Lugano.
Na quinta-feira à noite, após chegar a Pernambuco, os uruguaios não conseguiram treinar por causa do estado em que as fortes chuvas deixaram os gramados dos centros de treinamento locais. No dia seguinte, a seleção chegou ao CT (Centro de Treinamento) do Sport de Recife depois de uma hora no trânsito, prejudicado por obras de última hora no trajeto. Na BR-101, trabalhadores tapavam buracos e corrigiam falhas no asfalto e no acostamento.
Também na sexta-feira à noite, um engarrafamento causado por obras de pavimentação na BR-232 - principal acesso à Arena Pernambuco - deixou motoristas parados durante até três horas. A situação piorou quando parte da BR-101 foi fechada para a passagem da seleção espanhola, que provocou o aumento do tráfego na outra rodovia.
"É inadmissível que a gente tenha, em um trajeto vital para a cidade, o problema que temos agora. Mas a gestão do trecho urbano da BR-101 está sendo repassado para o Estado, porque no corredor central será construído o BRT", disse o secretário de Mobilidade Urbana de Recife, João Braga, à BBC Brasil.
O BRT (do inglês Bus Rapid Transit, sistema com ônibus articulados que trafegam em corredores especiais) é um dos projetos que a cidade retirou da Matriz de responsabilidades, porque não ficaria pronto a tempo da Copa 2014 mas será, de acordo com Braga, "um legado".
'Da água para o vinho'
O secretário de Mobilidade Urbana de Recife, João Braga, está otimista em relação ao trânsito em 2014. "Vamos mostrar uma mudança da água para o vinho na cidade", disse à BBC Brasil.
De acordo com Braga, a prefeitura identificou cerca de 40 pontos vitais de alagamento da cidade e pretende tratá-los para evitar as enchentes que, há poucas semanas, geraram imagens impressionantes. "O calendário da Fifa é europeu, mas junho não é um período bom no Brasil, é um período de chuvas. A gente vai ter muitos problemas", reconhece.
O secretário afirma ainda que até a Copa do Mundo ficarão prontos os dois BRTs incluídos na matriz de responsabilidades de Recife para a Copa, cerca de 40 km de ciclovias e ciclofaixas, sete BRS (Bus Rapid Service, corredores expressos para ônibus) e o que chamou de "o programa mais largo de calçadas que já se viu na cidade".
"O foco da prefeitura e do governo do Estado é na mobilidade das pessoas e não dos veículos", diz.
Mas o "foco na mobilidade das pessoas" a que Braga se refere é uma "assimilação do discurso dos urbanistas da cidade" que não foi acompanhada por novos projetos, segundo Mucio Jucá, arquiteto, especialista em desenvolvimento urbano e professor da Universidade Católica de Recife.
"Há um embate muito forte agora no Recife sobre questões de urbanização e estamos conseguindo ter voz junto ao governo. Percebemos é que o discurso deles incorporou o discurso dos urbanistas. Só que eles ainda apresentam os mesmos projetos que nós criticávamos", disse à BBC Brasil.
"Assimilar o discurso é um passo importante, mas elaborar novos projetos não vai acontecer até 2014, talvez só até 2020. Os projetos que nós consideramos ruins por uma série de motivos já estão em construção."
'Arena mais longe do mundo'
Jucá critica a falta de planejamento dos projetos da Copa em Recife, incluindo o acesso à Arena Pernambuco, que fica em São Lourenço da Mata (a 22 quilômetros da capital) e já desperta preocupação nos organizadores da Copa das Confederações.
"Parece que as ações foram feitas sem planejamento nenhum e a solução encontrada é decretar feriado nas ciddes para que não tenhamos um caos e para que o mundo não veja isso acontecer", diz.
Mucio Jucá chegou a elaborar um dos projetos da nova arena da Copa, que seria o construída entre Recife e Olinda. "A ideia era colocar o estádio dentro da cidade, para que ele fosse uma arena multiuso e para facilitar a mobilidade urbana. Essa é a ideia que se tem de um bom estádio hoje em dia"
"Quando nossas propostas foram apresentadas à Fifa, em 2009, já tínhamos estudos e levantamentos prontos e obras de mobilidade urbana relacionadas a eles, parecia que as coisas se encaixavam. Mas apareceu um projeto que ninguém tinha conhecimento de construir um estádio a 22 km da cidade. Não acreditávamos que o governo aceitaria uma proposta antiquada dessas", conta.
"Colegas holandeses me chamaram a atenção de que esse deve ser o estádio mais longe do mundo. Em minhas pesquisas, ainda não encontrei um mais distante da cidade do que esse."
Segundo Gilberto Pimental, secretário executivo de relações institucionais da Secopa de Recife, o objetivo da arena é levar empreendimentos para a região de São Lourenço da Mata. "Nesse primeiro momento ela está isolada, mas a grande aposta do governo é que ela seja a âncora para puxar o desenvolvimento para o oeste".
Ele diz ainda que o estádio pode ser uma oportunidade para "repensar o uso do metrô em Recife, que ainda não é massivo".
Na próxima quarta-feira, o governo estadual decretou ponto facultativo para evitar caos no acesso dos torcedores à partida entre Itália e Japão. A medida também foi adotada nas outras cidades-sede.
A capital pernambucana não teve protestos relacionados ao aumento das tarifas do transporte público na última semana, mas ativistas organizam pelo Facebook uma manifestação em solidariedade ao Movimento Passe Livre, de São Paulo, na próxima quinta-feira, dia 20.
Grupos de urbanistas dizem que farão na passeata o protesto que não conseguiram fazer no primeiro fim de semana da Copa das Confederações.
Números da Arena Pernambuco
Localização: São Lourenço da Mata (22 quilômetros de Recife)
Capacidade: 46 mil assentos
Custo: R$ 532 milhões
Modelo: Parceria público-privada entre consórcio e governo do estado
*Após a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, o estádio se tornará sede do Náutico
BBC Brasil