Valério ainda afirmou que Lula atuou a fim de obter dinheiro da Portugal Telecom para o PT. Disse que seus advogados são pagos pelo partido. Também deu detalhes de uma suposta ameaça de morte que teria recebido de Paulo Okamotto, ex-integrante do governo que hoje dirige o instituto do ex-presidente, além de ter relatado a montagem de uma suposta "blindagem" de petistas contra denúncias de corrupção em Santo André na gestão Celso Daniel. Por fim, acusou outros políticos de terem sido beneficiados pelo chamado valerioduto, entre eles o senador Humberto Costa (PT-PE).
A existência do depoimento com novas acusações do empresário mineiro foi revelada pelo Estado em 1.º de novembro. Após ser condenado pelo Supremo como o "operador" do mensalão, Valério procurou voluntariamente a Procuradoria-Geral da República. Queria, em troca do novo depoimento e de mais informações de que ainda afirma dispor , obter proteção e redução de sua pena. A oitiva ocorreu no dia 24 de setembro em Brasília - começou às 9h30 e terminou três horas e meia depois; 13 páginas foram preenchidas com as declarações do empresário, cujos detalhes eram mantidos em segredo até agora.
O Estado teve acesso à íntegra do depoimento, assinado pelo advogado do empresário, o criminalista Marcelo Leonardo, pela subprocuradora da República Cláudia Sampaio e pela procuradora da República Raquel Branquinho.
Valério disse ter passado dinheiro para Lula arcar com "gastos pessoais" bem no início de 2003, quando o petista já havia assumido a Presidência. Os recursos foram depositados, segundo o empresário, na conta da empresa de segurança Caso, de propriedade do ex-assessor da Presidência Freud Godoy, uma espécie de "faz-tudo" de Lula.
O operador do mensalão afirmou ter havido dois repasses, mas só especificou um deles, de aproximadamente R$ 100 mil. Ao investigar o mensalão, a CPI dos Correios detectou, em 2005, um pagamento feito pela SMPB, agência de publicidade de Valério, à empresa de Freud. O depósito foi feito, segundo dados do sigilo quebrado pela comissão, em 21 e janeiro de 2003, no valor de R$ 98.500.
Segundo o depoimento de Valério, o dinheiro tinha Lula como destinatário. Não há detalhes sobre quais seriam os "gastos pessoais" do ex-presidente.
Ainda segundo o depoimento de setembro, Lula deu o "ok" para que as empresas de Valério pegassem empréstimos com os bancos BMG e Rural. Segundo concluiu o Supremo, as operações foram fraudulentas e o dinheiro, usado para comprar apoio político no Congresso no primeiro mandato do petista na Presidência.
No relato feito ao Ministério Público, Valério afirmou que no início de 2003 se reuniu com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares, no segundo andar do Palácio do Planalto, numa sala que ele descreveu como "ampla" que servia para "reuniões" e, às vezes, "para refeições".
Ao longo dessa reunião, Dirceu teria afirmado que Delúbio, quando negociava com Valério, falava em seu nome e em nome de Lula. E acertaram, ainda segundo Valério, os empréstimos.
Nessa primeira etapa, Dirceu teria autorizado o empresário a pegar até R$ 10 milhões emprestados. Terminada a reunião, contou Valério, os três subiram por uma escada que levava ao gabinete de Lula. Lá, na presença do presidente, passaram três minutos. O empresário contou que o acerto firmado minutos antes foi relatado a Lula, que teria dito "ok".
Dias depois, Valério relatou ter procurado José Roberto Salgado, dirigente do Banco Rural, para falar do assunto. Disse nessa conversa que Dirceu, seguindo orientação de Lula, havia garantido que o empréstimo seria honrado. A operação foi feita. Valério conta no depoimento que, esgotado o limite de R$ 10 milhões, uma nova reunião foi marcada no Palácio do Planalto. Dirceu o teria autorizado a pegar mais R$ 12 milhões emprestados.
Portugal Telecom. Em outro episódio avaliado pelo STF, Lula foi novamente colocado como protagonista por Valério. Segundo o empresário, o ex-presidente negociou com Miguel Horta, então presidente da Portugal Telecom, o repasse de recursos para o PT. Segundo Valério, Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reuniram-se com Miguel Horta no Planalto e combinaram que uma fornecedora da Portugal Telecom em Macau, na China, transferiria R$ 7 milhões para o PT. O dinheiro, conforme Valério, entrou pelas contas de publicitários que prestaram serviços para campanhas petistas.
As negociações com a Portugal Telecom estariam por trás da viagem feita em 2005 a Portugal por Valério, seu ex-advogado Rogério Tolentino, e o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri.
Segundo o presidente do PTB, Roberto Jefferson, Dirceu havia incumbido Valério de ir a Portugal para negociar a doação de recursos da Portugal Telecom para o PT e o PTB. Essa missão e os depoimentos de Jefferson e Palmieri foram usados para comprovar o envolvimento de José Dirceu no mensalão.
Mas Lula nega - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "mentira" as afirmações do empresário Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República.
Segundo reportagem de "O Estado de S. Paulo", Valério disse à Procuradoria, em depoimento dado em setembro, que foi responsável por pagar despesas pessoais do ex-presidente em 2003, por meio de depósitos na conta de uma empresa de Freud Godoy, ex-assessor particular de Lula.
O empresário também afirmou que Lula deu aval, pessoalmente, aos empréstimos usados para abastecer o esquema do mensalão.
"Isso é mentira", disse Lula na saída do primeiro dia de seminário organizado por seu instituto e a Fondation Jean-Jaurès, ligada ao Partido Socialista francês, em Paris.
Rodeado de assessores e seguranças, o ex-presidente, que tem evitado falar com a imprensa, deixou rapidamente o local. Questionado se poderia responder mais perguntas sobre o caso, afirmou: "hoje, nem duas".
Na noite desta terça-feira (11), Lula participará de jantar oferecido pelo presidente da França, François Hollande, à presidente Dilma Rousseff no Palácio do Eliseu.
Ao longo do dia, o ex-presidente se reuniu reservadamente com membros de seu instituto e com convidados do seminário, e, à tarde, acompanhou discursos de Dilma e Hollande no evento, além de outros convidados.
No julgamento do mensalão pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Valério foi condenado a 40 anos, 4 meses e 6 dias de prisão, além do pagamento de R$ 2,7 milhões em multa.
ALIADOS
Aliados de Lula também trataram o depoimento de Valério como uma "mentira".
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), classificou de "profunda inverdade" as acusações. "A pessoa que disse não tem autoridade para falar mal do presidente Lula, que é um patrimônio da história deste país", disse o presidente do Senado.
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), afirmou que não há necessidade de se investigar o suposto envolvimento do ex-presidente Lula.
"Não é uma afirmação que mereça crédito, mereça consideração ou sequer investigação, eu acho que deve ser mandada para arquivo porque não merece, efetivamente, nenhum tipo de consideração", disse Marco Maia.
Nem nota, o PT classificou como "sucessão de mentiras envelhecidas" o depoimento de Valério. "Trata-se de uma sucessão de mentiras envelhecidas, todas elas já claramente desmentidas. É lamentável que denúncias sem nenhuma base na realidade sejam tratadas com seriedade.
Valério ataca pessoas honradas e cria situações que nunca existiram, pondo-se a serviço do processo de criminalização movido por setores da mídia e do Ministério Público contra o PT e seus dirigentes", diz o texto assinado pelo presidente da legenda, Rui Falcão.
STF E OPOSIÇÃO
Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa defendeu que o Ministério Público Federal investigue o suposto envolvimento do ex-presidente Lula.
Sem dar detalhes do conteúdo, Barbosa disse que teve "conhecimento oficioso" (fora dos autos) do novo depoimento prestado por Valério.
Questionado se o Ministério Público deve abrir inquérito para apurar o envolvimento do ex-presidente, Barbosa concordou: "Eu creio que sim".
Já a bancada do PSDB no Senado decidiu apresentar requerimento na Comissão de Constituição e Justiça para convocar Valério.
Ao comentar sobre o caso, o delator do caso do mensalão, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, disse que delação premiada "é coisa de canalha".
"Delação premiada para salvar o próprio couro é coisa de canalha", escreveu em seu blog pessoal.
Jefferson também diz que a declaração de Valério "não parece crível" e que o empresário, também condenado no mensalão, está "magoado".
Com informações do Estadão e Folha SP