Alguns meses se passaram e Toni estava trabalhando no hospital quando uma jovem em cadeira de rodas o parou:
- Moço! Não sei nem como lhe agradecer. Gente, vem aqui! – a jovem chamou a atenção de todos que estavam ali – Se não fosse esse cara, eu não teria perdido só minhas pernas não. Teria perdido a minha vida.
- Oxe, moça, fui eu não...
- Claro que foi o senhor. Eu me lembro bem. Só tinha um canivete na mão. Mas cortava o ferro tão bem, pensei que o senhor era do Corpo de Bombeiros...
- A senhora tá me confundindo...
- De jeito nenhum, eu seria capaz de reconhecer o homem que salvou minha vida
De boca em boca a notícia correu a cidade e no hospital todos sabiam que ele realmente salvara a moça. Toni não agüentou e gritou:
- Ora merda! Vocês todos aqui são profissionais de saúde, não salvariam ninguém não??? Isso é obrigação nossa!!! Agora vamos falar do que presta? Obrigado!
Quando Toni voltou à praia, foi na barraca do Seu Antonio:
- Seu Antonio, me dá um coco aí, que eu tô estressado!
- Calma, filho, todo mundo já tá sabendo da moça...
- O senhor também, Seu Antonio?
- Deu no rádio, todo mundo ouviu.
- Maravilha, mas de repente esse povo descobriu que não tem nada pra fazer... Ainda bem que amanhã eu to de folga, vou ver se esse povo me esquece.
Ao olhar de lado, não acreditou! Stella estava sentada, tomando água de coco e vendo o mar. Ele chegou junto:
- Você ficou linda!
- Quem é você?
- Eu dancei contigo na festa de debutante...
- Como é que é???
- Claro... Você não tem como me reconhecer...
- Com essa tatoo enorme nas costas e esse cabelinho de sargaço não iria conhecer nunca.
- Mas você não mudou praticamente nada... Continua linda.
Quem estava perto do casal riu muito com o “cabelinho de sargaço”. O apelido iria pegar. Imaginem: Sargaço salva moça de acidente de carro. Quantas vezes ele teria que gritar pra pararem com isso? O apelido era até admissível, mas a história da moça? Ele via aquilo tudo como uma obrigação...
Mal ele chegou em casa, a chuva caiu forte na cidade, mas cansado, foi dormir. No outro dia, ligou o rádio e as notícias eram sobre as conseqüências das chuvas do dia anterior:
- Boletim de notícias da Rádio NA: Desabamentos no Morro das Velas soterra casas, mata duas pessoas e desabriga mais de 20 mil. A Defesa Civil e a Corporação já estão no local e quem fala ao vivo é a repórter Maricielo May:
- Bom dia, Rádio Patrese, aqui no Morro das Velas a situação está ainda mais complicada. Duas crianças estão desaparecidas e os pais estão desesperados. O temor é que elas estejam soterradas...
Sargaço não pensou duas vezes, mesmo debaixo de chuva, foi para o Morro das Velas, que não era longe dali. 10 minutos de ônibus e lá estava ele, que de primeira, procurou a repórter. Mari e Seu Antônio ficaram admirados. Ela se lembrou de imediato da situação:
- Agora me lembro de você, lá no Morro das Velas, acompanhei tudo, narrei tudo para o rádio... Me emocionei demais, acredita?
- Você se lembra como foi a narração?
- Ah, lembro sim.
- Então narra, afinal de contas, essa parte da história quem conta é você.
- Por isso que você me propôs virar a noite...
- Mas é lógico. E eu passei a acompanhar tudo que saía sobre mim e pelo menos das suas matérias eu sempre gostei.
Assim que terminou de falar com Sargaço, a repórter liga novamente para a emissora e conta:
- Um rapaz jovem, que disse ser enfermeiro, driblou a segurança e foi para o entulho de lama tentar resgatar os filhos de seu Adailton e dona Edilene, que estão abraçados, e cansados de tanto chorar. Detalhe: ele não usa qualquer equipamento de segurança enquanto cava a terra com as próprias mãos. Ele levanta os braços e chama alguém. Um integrante da Corporação vai até ele... Meu Deus! Ele caiu na lama! Muita calma agora, como é isso? Ele está ressurgindo da lama com as duas crianças nos braços. Uma delas ainda está desacordada, mas parece que estão vivas... Graças a Deus o herói anônimo conseguiu resgatar duas crianças em poucos minutos... Vamos tentar falar com ele: por favor, como o senhor conseguiu resgatar as crianças?
- Moça, deixa eu resgatar os meninos, falo já com a senhora...
- Nesse momento, ele está prestando os primeiros socorros, fazendo respiração boca-a-boca na criança desmaiada... Realmente, amigos, trata-se de um profissional de saúde que driblou o medo e a segurança para salvarem vidas. Anjo, louco ou herói?
Assim começaria a maior lenda urbana da cidade.