Os dias se passaram e os quatro jovens estavam apaixonados. Mas não havia tempo para conversas ou telefonemas. O colégio e a academia tomavam-lhes o tempo. As meninas estudavam como nunca, estavam no Ensino Médio e o vestibular estava chegando e os rapazes faziam exercícios cada vez mais difíceis. Duna e Toni eram os melhores alunos da turma, todos comentavam que eles teriam uma bela carreira na Corporação. E por isso, eles passaram a ter mais acesso aos setores administrativos.
O Subcomandante Lúcio, responsável pela seleção dos jovens e pela contabilidade, era um homem de confiança do Comandante Oliveira. Toni fora indicado para ser assistente do subcomandante em assuntos contábeis e aos poucos, foi descobrindo uma irregularidade administrativa cometida por Lúcio. Resolveu investigar mais a fundo e quando tinha as provas, levou para o Comandante, sem que o Subcomandante soubesse.
Na semana seguinte, os cadetes iriam se formar e esperavam ansiosos pela lista de quem iria ficar na corporação. Todos diziam que Duna e Toni seriam os primeiros da turma, e laureados. A lista saiu, provocando alvoroço entre os jovens.
Dunarte Filho estava na lista. Mas Antônio Carlos não estava.
- Toni, deve haver algum engano. Você era mais o mais empenhado, o mais aguerrido... Vamos lá, falar com o Subcomandante Lúcio, ele confia tanto em você, rapaz!
- Eu estou aqui, Cadetes. – Disse o Subcomandante com um ar de riso.
- Subcomandante... – Duna tentou falar.
- Cadetes, agora que vocês estão formados, aprendam uma coisa: quem mexe com os grandes, sempre se dará mal... Não é, Antônio Carlos?
Toni entendeu o recado, baixou os olhos e foi embora.
Duna e os demais colegas resolveram falar com o comandante, que lhes deu uma mensagem ainda mais clara:
- Antônio Carlos, o melhor aluno da turma, o mais guerreiro e valoroso entre vocês, cometeu um erro. Muito grave.
- Que erro foi esse, senhor, tão grave a ponto da corporação cortar o nome dele da lista?
- Tentou interferir onde não devia.
- Como assim?
- Andou bisbilhotando coisas que não são da alçada dele. E ainda tentou afrontar o Subcomandante Lúcio. E a decisão de cortá-lo não foi dele, mas minha.
Duna ainda pensou em desistir, mas o próprio Toni o impediu:
- Já não basta um que foi cortado da lista? Nosso pai, onde quer que esteja, quer te ver salvando vidas. Mais mesmo do que a mim, que só trouxe decepção.
- Toni, você descobriu os podres do Subcomandante e o Comandante abafou a história... Nosso pai ficaria orgulhoso de você também. Ele sempre dizia que o Subcomandante Lúcio não prestava.
- Mas e agora, Duna? O que será de mim?
- Irmão, eu fico muito triste por você...
- Irmão, por que as coisas devem ser assim?
Duna e Toni choraram abraçados.
Os dois anos seguintes foram marcados pela depressão e isolamento. A única pessoa com quem Toni falava era Duna. Um dia, resolveu ir à praia e não avisou a ninguém. Passou dois dias desaparecido. A família já imaginava o pior, que ele havia se matado.
Mas o que ocorreu com Toni foi uma transformação radical. Ele mergulhou nas águas profundas da vida, mas ressurgiu. Tatuou um dragão enorme nas costas, se formou em Enfermagem especializando-se em Primeiros Socorros e dividia seu tempo entre palestras nas escolas, noites em plantões de hospital e dias de praia e sol. Mas tava faltando alguma coisa. Por melhor que fizesse, não se realizava. Aprendeu a amar a profissão de enfermeiro, mas seu coração clamava por algo mais urgente.
Um dia, ao voltar de uma palestra no Centro Educacional da Criança, testemunhou quando dois carros colidiram frontalmente. Em um dos carros, o motorista estava morto. No outro carro, uma moça estava com as pernas presas nas ferragens. Mas ele não teve dúvida: munido de um pequeno canivete, começou a cortar o metal e viu as pernas esmagadas da jovem. Quando os bombeiros chegaram, a moça já estava resgatada e um taxista havia levado-a a um hospital. Perdera as pernas, mas estava viva.
Estava nascendo o herói.